Em que base Deus aceita um homem? Esta é a mais fundamental de todas as questões relativas à salvação. Várias respostas foram dadas:
1. Numa vida de completa obediência à Lei;
2. Pela fé no Evangelho de Jesus Cristo;
3. De alguma outra maneira.
Muitas pessoas nas igrejas dão a resposta errada. Nos seminários, muitos mestres dão a resposta errada.
Esta questão exige uma resposta clara. E para dar essa resposta, devemos estar claros em nossas próprias mentes sobre este importante assunto. Essa foi a grande questão da Reforma. Alguns acham que os tempos mudaram e, portanto, as perguntas antigas são irrelevantes. Mas acreditamos que a questão é tão relevante hoje como foi nos dias de Paulo ou de Lutero. É a questão mais fundamental que assola o coração humano. Está na raiz de todos os problemas da sociedade.
A resposta correta é a número 1: A única base sobre a qual qualquer pessoa é aceita por Deus é com base numa vida de obediência à Lei.
A Resposta do Legalismo
A maioria das pessoas escolhe a número 2 em vez do número 1 porque não querem parecer legalistas. A maioria das pessoas escolhe a fé no Evangelho de Cristo porque acha que é contra o legalismo. Mas a resposta número 2 é realmente a resposta legalista.
Qual é a base, ou fundamento sobre o qual um homem é aceitável a Deus? Nenhum dos reformadores e nenhum estudioso da Bíblia digno da tradição da Reforma jamais disse que a fé é a base ou a base da aceitação de Deus. De todos os atributos que Deus implanta no coração humano, a fé está bem no topo. É o dom de Deus e a raiz de todas as virtudes. É a principal obra do Espírito Santo. Mas, independentemente da natureza principesca da fé, nunca é a base, fundamento da salvação. Um dos perigos do cenário religioso moderno é a ideia de que é por causa da minha fé, porque eu nasci de novo, ou porque confio em Jesus que Deus me aceita.
Dizer que a fé é a base da aceitação com Deus é legalista, porque oferece a Deus algo que está dentro de mim como a base da aceitação com Deus (que Deus dá fé não faz diferença no princípio. Fé ainda é uma qualidade dentro de mim). Se você tirar um tempo para olhar os decretos do Concílio de Trento sobre justificação, você verá que a resposta número 2 é a resposta clássica Católica Romana. Os Reformadores e a Bíblia se posicionaram contra essa posição. Neste século de declínio teológico, no entanto, a Doutrina Bíblica e Reformada foi eclipsada pelas doutrinas arminiana e romana, que afirmam que a fé é a base da nossa aceitação com Deus — que a fé é uma obra que fazemos, uma qualidade que temos que nos torna aceitáveis para um Deus Santo.
A Resposta da Fé
Agora, vamos olhar para Romanos 2:12,13:
“Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão julgados. Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.”
A Bíblia é inequívoca. Ninguém, senão os que praticam a Lei, é aceito por Deus. Esse é um princípio eterno. Deus não vai mudar disso. Ele nunca mudou de ideia. Uma vida de perfeita obediência — isto é, uma vida de retidão — é a única base possível de aceitação com o Deus Santo e Justo.
O problema com grande parte do evangelismo hoje é que o Evangelho é apresentado como uma maneira inteligente de contornar a Lei. Isso veio a significar um truque inteligente pelo qual podemos saltar sobre as reivindicações da Lei diretamente para a presença de Deus. Nós pensamos que o Evangelho significa que Deus é menos exigente do que costumava ser.
Deus exige uma vida de perfeita obediência à Sua Lei. Nenhuma obediência parcial, imperfeita, incompleta e parcial satisfará Sua santidade: “os que praticam a lei hão de ser justificados”. Tiago diz que se nós tropeçarmos em um só ponto, nós somos transgressores da Lei. Esta base fundamental do Cristianismo Bíblico foi negligenciada no século XXI.[1] Há pouca verdadeira pregação da Lei ou do Evangelho hoje. Nós negligenciamos a pregação da santidade e majestade de Deus. Deus é apresentado como uma benevolência descontraída que freneticamente percorre o Céu buscando como Ele pode agradar às pessoas mundanas insaciavelmente. Não é de admirar que estejamos em um pântano tão religioso. Nós precisamos da Lei. Precisamos conhecer a santa exigência de Deus. Precisamos conhecer o padrão de Deus. Precisamos pregar o padrão de Deus de tal maneira que as pessoas clamem: “Como então posso ser salvo?”
Quando Paulo contrasta o caminho da fé e o caminho das obras em Romanos e Gálatas, ele não está contrastando a fé e as obras como tais, mas a fé e nossas obras fracas, insignificantes e defeituosas. Não devemos ter a ideia de que a fé é contra a Lei. Em Romanos 3:31 Paulo argumenta que o caminho da fé não é contra a Lei. A fé estabelece a Lei. A fé não é a negação da Lei de Deus. A fé honra a Lei. A fé reconhece que é somente com base na resposta Número 1 — uma vida de completa obediência à Lei — que Deus sempre aceitará um homem.
O Dilema do Homem
Nos primeiros capítulos de Romanos, Paulo mostra a situação perigosa do homem: nem os gentios, nem os judeus, são capazes de cumprir o santo padrão de Deus exigido na Lei de Deus. É para corrigir esta situação que Paulo fala — como ele faz em Romanos 3:21-26 — sobre Jesus Cristo e a justiça de Deus. Mas muitas vezes saltamos para Romanos 3:21-26 sem dar a devida atenção à força do argumento precedente. Lembremo-nos de que em Romanos 1:13 a 3:20 Paulo procura enfatizar com clareza insuperável e força inspirada a mensagem de que toda a raça humana está em uma situação terrível porque o homem não tem sido capaz de dar a Deus o que Lhe é devido — e isso é nada menos que perfeita conformidade com a Lei de Deus. O Evangelho Cristão honra a Lei de Deus. A fé honra a Lei de Deus. Visto que a fé sempre depende e toma seu valor de seu objeto, a fé sempre responderá: “A única base pela qual um homem é aceito por Deus é uma vida de completa obediência à Lei”.
A Justiça de Deus
“Mas agora a justiça de Deus...” Deus intervém em nossa terrível situação. Foi essa “justiça de Deus” em torno da qual e fora da qual a Reforma cresceu. O que significa a “justiça de Deus”? A justiça de Deus é aquela que é medida pelo caráter do próprio Deus. É aquilo que é proporcional à santidade de Deus. Tem Deus como sua medida. É o seu caráter sagrado, imaculado e divino. Essa justiça de Deus é a exigência de Deus. Sua justiça exige isso de todo homem, mulher e criança. Isso é o que Ele sempre exigiu, e é isso que ele sempre exigirá de nós, porque Ele nunca poderia exigir nada menos do que Seu próprio ser perfeito.
Este é o assunto sobre o qual Martinho Lutero combateu. Ele quase se desesperou quando viu esse aspecto da “justiça de Deus”. Ele lutou com todo o seu poder e princípios ascéticos para dar a Deus o que Deus requeria. No entanto, sua consciência não lhe dava descanso. “Já fiz o suficiente? Já fiz bem o suficiente? Como posso ter certeza?”. É porque hoje não estamos lutando com essas mesmas convicções de que o Evangelho é virtualmente desconhecido. O Evangelho só faz sentido contra o pano de fundo da demanda radical e intransigente de Deus por uma justiça completa e total. Quando homens e mulheres entendem que uma vida de perfeita conformidade com a Lei é a única base de aceitação com Deus, e quando eles estão angustiados sobre como eles podem atender a essa demanda, então, e somente então, o Evangelho fará algum sentido.
O que há de tão errado em grande parte de nossa religiosidade hoje é que não estamos fazendo perguntas teológicas. Em vez disso, queremos saber: “Como Deus pode me agradar? Como Ele pode aumentar minha autoestima? Como Deus pode me fazer feliz e bem-sucedido?”. Mas a questão fundamental da Bíblia e a questão fundamental que deu origem à Reforma foi: “Como posso agradar a Deus?”. Somente quando esta questão é uma necessidade urgente, a justiça de Deus fará algum sentido.
A justiça de Deus é aquela que o próprio Deus provê. Quando Lutero descobriu isso, a Reforma nasceu. Essa é a boa notícia. Isso é o Evangelho. A justiça de Jesus Cristo é tanto a exigência de Deus quanto a provisão de Deus para o Seu povo. Se você quiser ver o que Deus exige de você e de mim, veja a vida perfeita de Jesus Cristo. Ele era verdadeiramente Homem, como o homem deveria ser. Jesus é a justiça de Deus em que Ele é a provisão de Deus. Quando Ele nasceu neste mundo, foi um nascimento como nunca aconteceu desde que Adão caiu. Ele veio à Terra para viver uma vida que ninguém viveu desde que Adão caiu. Se você observar todo o fluxo da história humana desde a Queda até o fim do mundo, você verá apenas 33 anos que Deus aceita. Jesus veio para dar o sacrifício perfeito, o resgate substitutivo pelo fracasso de homens e mulheres de viver em retidão diante de Deus. Ele se levantou do túmulo e ascendeu à destra de Deus, de modo que agora mesmo Ele está na presença de Deus como um Homem Perfeito em nome de todos aqueles que confiam Nele.
Jesus veio e viveu uma vida de perfeita obediência à Lei de Deus. Sua vida correspondia com a santidade de Deus em todos os pontos. O que a santidade de Deus exigia, Jesus providenciou. Você já leu A Respeito da Encarnação da Palavra de Deus, de Atanásio, ou Cur Deus Homo? (Por que Deus se tornou Homem?) de Anselmo? Devemos ler esses clássicos em vez do papa piedoso que domina as prateleiras de nossas livrarias religiosas. Esses homens lutaram com a questão da Encarnação. Deus Filho tinha que se tornar e se tornou Homem para prover para nós o que a santidade auto consistente de Deus exigia.
A Ação da Fé
Jesus providenciou a justiça que Deus exige, mas ainda somos obrigados a concordar com Deus para sermos justificados. A obediência de Cristo à Lei não o ajudará a menos que você concorde com a transação. Como isso aconteceu? Isso acontece por (não por causa da) fé. Fé é concordar com a solução que Deus providenciou em Cristo Jesus.
Quando nos apresentamos diante de Deus em arrependimento, dizemos: “Senhor, eu não tenho guardado a Tua santa Lei. Eu não fiz o que a sua santidade exige. Tu fizeste isso por mim em Jesus Cristo. O nascimento de Jesus, Sua vida sem pecado, Sua morte, ressurreição e ascensão me pertence”. Essa é a linguagem da fé. A fé aceita a total pecaminosidade de si mesmo e a total justiça de Deus em Jesus Cristo. A justiça de Deus, portanto, é a minha justiça pela fé em Jesus Cristo. Às vezes os carismáticos perguntam: “Irmão, você fez a excitante descoberta da vida cheia do Espírito?” A tragédia é que, quando confrontados, muitos cristãos sentem-se espiritualmente nus e envergonhados. A única resposta de um homem ou mulher de fé é: “Sim, que vida! Nasci perfeitamente, vivi proporcionalmente com a santidade do próprio Deus em meu Substituto, Jesus Cristo”. Quando nos orgulhamos daquela vida cheia de Espírito de Cristo (que é nossa somente pela fé), ela faz com que todas as outras chamadas vidas cheias do Espírito pareçam insignificantes e pecaminosas em comparação. Nós não temos superado os carismáticos, que se orgulham de suas próprias vidas, gabando-se da vida de Cristo.
A justiça de Deus, que é minha, pela fé, está em Jesus Cristo. Não é uma qualidade no meu coração. Esta é a ênfase de Romanos 3:21-26 — “em Cristo Jesus”. Essa justiça é encontrada somente em Jesus, que está à direita de Deus. Paulo diz aos Colossenses:
“Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra; porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com ele em glória.” (Colossenses 3:1-4)
Portanto, não coloque seu afeto na vida errada. Sua vida de santificação, que necessariamente segue a justificação, é uma sombra da verdadeira vida do cristão à destra de Deus. Nossa vida está escondida com Cristo em Deus.
Conclusão
Uma vida de obediência à Lei — aquela que Deus exige — foi realizada pelo fazer e o morrer de Jesus Cristo — Sua vida sem pecado e Sua morte obediente. Eu posso apresentá-la a Deus pela fé. Isto não é apresentar a minha justiça interior, mas é apresentar a justiça que está em Jesus Cristo. É, como disse Lutero, a justiça alienígena de Cristo. É reservado no céu como um grande tesouro para pessoas que vivem entre ladrões. O céu é um lugar seguro para estar. Assim, Deus nos aceita apenas com base em uma perfeita justiça. Ele nos salva com justiça. Isso significa que nossa salvação está fundamentada na justiça de Deus. São boas notícias. Às vezes nos perguntamos se a misericórdia de Deus acabará. O pastor pode nos dizer que Deus é Misericordioso. No entanto, podemos dizer: “Mas ele não conhece meu coração. Deus é Misericordioso?”. Mas você pensou que seria possível que Deus deixasse de ser justo? Não! É por isso que achamos que Sua misericórdia “pode acabar” — porque sabemos quão Justo Ele é.
Aqui está a gloriosa mensagem de Romanos 3:25,26, que não é ensinada hoje: O Evangelho é uma declaração da justiça de Deus e da Sua misericórdia. Deus nos salvou de uma maneira que afirma que Ele é Justo. Ele não contornou a Lei. Ele não foi inconsistente. Ele não revogou a Lei. Antes que Deus pudesse rejeitar um homem que confia em Jesus Cristo, Ele primeiro teria que se tornar injusto. “Para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Romanos 3:26). Portanto, nossa segurança está firmemente ancorada na justiça de Deus.
Deus nunca mudou de ideia. Ele sempre exigiu perfeita obediência à Sua Lei. E quando Ele olhou para um mundo totalmente desesperado, Ele mesmo veio — Deus, o Filho, numa manjedoura de jumento; Deus, o Filho, permitindo que o pó palestino passasse pelos Seus dedos enquanto cumpria Sua própria Lei em nosso favor. A fé reconhece a Lei porque Jesus reconheceu a Lei. A fé sempre escolhe a vida perfeita, conforme a lei de Jesus, como a única base para aceitação com Deus.
Extensivamente revisado e adaptado de Present Truth, uma revista extinta. Fonte: The Trinity Review, abril de 1996. Traduzido por: Luan Tavares.]
Nota do Tradutor: O autor diz “... no século XX.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário