
Charge reproduzida do Arquivo Google
Carlos Newton
O desdobramento do escândalo da Fifa na Justiça de Nova York está deixando cada vez mais evidente o tamanho da encrenca em que a TV Globo se meteu, através de seu então diretor de Esportes, Marcelo Campos Pinto, e do parceiro global J. Hawilla, que também se tornou especialista em negociatas esportivas e televisivas, digamos assim, já que se trata de um empresário de raro sucesso, com patrimônio de R$ 2 bilhões e que hoje controla grande número de emissoras de TV no interior, afiliadas à Rede Globo, por mera coincidência, é claro.
De início, os irmãos Marinho pensaram que iam sair incólumes, mas estavam enganados. Roberto Irineu, José Roberto e João Roberto (não necessariamente nesta ordem, porque o líder da família é João Roberto, justamente o mais novo) estão apavorados como o aprofundamento das investigações do FBI e temem até perder as concessões das emissoras de TV, caso a legislação brasileira venha a ser cumprida.
NA MIRA DO FBI – Os policiais federais norte-americanos começaram as investigações em 2011, para apurar ocorrências desde 1991. E acabaram chegando à empresa de J.Hawilla, a Traffic, que sempre esteve a serviço da Globo.
Quando constatou que seria apanhado, J. Hawilla se adiantou. Em 12 de dezembro de 2014, confessou-se culpado perante a Justiça dos Estados Unidos. Assumiu as acusações de extorsão, conspiração por fraude eletrônica, lavagem de dinheiro e obstrução da justiça e concordou em restituir US$ 151 milhões, tendo pago US$ 25 milhões no momento do acordo.
Além de J. Hawilla, atuava diretamente na CBF e na Fifa o diretor da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto, que tinha procuração para agir em nome da emissora. Durante duas décadas, Campos Pinto representou a Globo no mundo do futebol e ganhou quase todas as concorrências para transmissões exclusivas e comercialização. De vez em quando, para não dar na vista, perdia uma ou outra licitação, mas o vencedor era sempre J. Hawilla, ficava tudo em casa.
SEM DELAÇÃO – Para se livrar temporariamente do FBI, J. Hawilla perdeu 151 milhões de dólares, quantia que pouco representa para ele, escapou de ser preso em 2014 e não chegou a fazer delação premiada, para alívio dos irmãos Marinho. Mas ainda havia na mira dos federais americanos o executivo Marcelo Campos Pinto, que na sequência seria apanhado.
Em 3 de novembro de 2015, o presidente da CBF, José Maria Marin, foi extraditado para os Estados Unidos, depois de ser preso em Zurique com outros seis dirigentes da Fifa, num hotel de luxo. Dois dias depois da extradição de Marin, em 5 de novembro de 2015, o presidente do Grupo Globo, Roberto Irineu Marinho, distribuiu comunicado informando o afastamento de Marcelo Campos Pinto da direção da Globo Esportes.
Somente agora, dois anos depois, a Globo passa a ser diretamente acusada pelo delator Alejandro Burzaco, ex-presidente da empresa argentina Torneos Y Competencias, que atuava em dobradinhas com a Globo e a Traffic, de J. Hawilla.
CONCESSÕES AMEAÇADAS – Quando o escândalo da Fifa atingiu J. Hawilla, os irmãos Marinho perceberam que poderiam perder as concessões da Globo, devido à rigorosa legislação brasileira, que não admite a existência de concessionários com ficha suja.
Desde o Decreto nº 21.111, de 1º de março de 1932, a legislação referente a emissoras de radiodifusão e de sons e imagens sempre exigiu idoneidade moral dos concessionários. A determinação foi mantida na Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Comunicações), e depois no Decreto nº 52.795, de 31 de outubro de 1963.
Já o Decreto 1.720, de 28 de outubro de 1995, passou a exigir “certidão dos cartórios Distribuidores Cíveis e Criminais e do de Protestos de Títulos”. Por fim, o Decreto 9.138, de 22 de agosto de 2017, em seu artigo 15, § 2º, inciso IX, criou até uma circunstância excludente, com base na Lei da Ficha Limpa: “Nenhum dos sócios ou dirigentes da pessoa jurídica foi condenado em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, pela prática dos ilícitos (…).
TRADUÇÃO SIMULTÂNEA – Quando as investigações chegaram a J. Hawilla, os irmãos Marinho entraram em ação. Conseguiram que ele não fizesse delação premiada, mas confessasse os diversos crimes, comprometendo-se a ressarcir possíveis prejudicados – as emissoras que perderam para a Traffic/Globo as licitações para transmissão e comercialização de campeonatos internacionais. Logo depois, os irmãos Marinho demitiram Campos Pinto e deram a uma raspada no Setor de Esportes do grupo, decepando cabeças coroadas na Globo, na GloboNews e no SporTV.
Mas a preocupação da família Marinho é cada vez maior, porque não se sabe até que ponto as investigações do FBI e da Justiça norte-americana vão atingir os donos do grupo Globo, com reflexos nas mais valiosas concessões de TV do lado debaixo do Equador, como diziam Chico Buarque e Ruy Guerra.
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