Promotoria do Rio erra ao explicar negócio de Flávio Bolsonaro - Se Liga na Informação





Promotoria do Rio erra ao explicar negócio de Flávio Bolsonaro

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Os promotores que investigam o senador Flávio Bolsonaro (PSL) e seus ex-assessores cometeram um erro na petição a partir da qual a Justiça determinou uma devassa nas contas bancárias dos investigados.


Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que o parlamentar adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida.



Flávio e outras 85 pessoas e 9 empresas tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados como parte de uma investigação aberta pelos promotores, após um relatório federal ter apontado movimentação atípica na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor dele na Assembleia Legislativa do Rio.



Além do volume movimentado, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: saques e depósitos em dinheiro vivo. As transações ocorriam em data próxima do pagamento de servidores da Assembleia, onde Flávio exerceu o mandato de deputado por 16 anos (2003-2018) até ser eleito senador.



Segundo o Ministério Público do Rio, há indícios robustos dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Flávio. Apesar desse erro da Promotoria, um outro aspecto da negociação é confirmado por escrituras e documentos: a participação de uma empresa com sede em paraíso fiscal, característica apontada como suspeita por ser um método tradicional de lavagem de dinheiro.



O equívoco dos promotores ao relatar as transações imobiliárias de Flávio está na página 34 da petição, na qual escreveram que, de 2008 a 2010, Flávio "adquiriu 12 salas no luxuoso condomínio comercial Barra Prime ["¦] pelo preço total declarado de R$ 2,66 milhões".



A Folha de S.Paulo pesquisou o assunto em cartórios do Rio e na Justiça Eleitoral e ouviu três corretores imobiliários sem relação com o negócio. A análise das matrículas dos imóveis e de contratos de compra e venda indica que os promotores foram imprecisos ao afirmar que o parlamentar havia adquirido os imóveis.



Flávio, na realidade, fez uma operação conhecida como cessão de direitos, na qual o detentor não chega a desembolsar nem obter o valor total do imóvel, mas sim uma parte dele. Uma dívida passa a ser assumida pelo outro lado da negociação --no caso de Flávio, a empresa MCA Participações Ltda. As escrituras de cessão de direitos correspondentes às 12 salas são semelhantes.



De acordo com um desses documentos, por exemplo, o senador e sua mulher, a cirurgiã-dentista Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, assinaram em 2010 uma escritura de promessa de compra e venda pela qual a construtora dos imóveis, a Brookfield Rio de Janeiro, se comprometeu a entregar uma sala avaliada na época em R$ 193 mil. O imóvel ainda estava na planta, em construção.



Em outubro do mesmo ano, o casal Bolsonaro assinou uma escritura de cessão de direitos aquisitivos pela qual repassou à MCA "todas as obrigações decorrentes da primeira escritura". O imóvel passou a ser avaliado em R$ 234 mil. A diferença de R$ 63 mil entre os dois valores foi paga ao casal pela MCA com um cheque administrativo. A escritura esclarece que a MCA "assume todo o saldo devedor junto à interveniente [construtora do imóvel] atualizado até a presente data", no valor de R$ 171 mil.



Assim, a conta feita pelo Ministério Público de R$ 3,2 milhões pelas 12 salas incluiu saldos devedores que serão abatidos pela compradora MCA e, na verdade, não foram recebidos pelo parlamentar. Flávio recebeu apenas a diferença, ou o ágio, relativo a cada uma das operações. Segundo o Ministério Público, esse lucro foi de R$ 501 mil. O parlamentar apontou, em petição entregue ao Judiciário, um ágio total de R$ 210 mil.



De qualquer forma, o valor de fato recebido por Bolsonaro fica longe dos R$ 3,2 milhões apontados pelos promotores como valor da suposta "venda dos imóveis". Três especialistas ouvidos pela reportagem confirmaram que a cessão de direitos é uma operação comum no mercado, vem sendo cada vez mais praticada no país e não é ilegal. Há imposto cobrado sobre o ágio obtido por quem cedeu os direitos.



A afirmação da Promotoria de que as salas se localizam em um condomínio luxuoso também é questionável. A reportagem apurou junto a dois corretores que trabalham com unidades no mesmo prédio que os valores variam muito, mas são considerados normais para um prédio de padrão médio no Rio.



Algumas salas podem ser achadas por R$ 220 mil, outras por R$ 350 mil, dependendo do tamanho, valores também compatíveis com os declarados nas escrituras por Flávio.



Um segundo aspecto apontado pelo Ministério Público sobre a mesma negociação de Flávio, porém, é confirmado pelas escrituras e documentos. Para os promotores, é o ponto mais problemático da negociação. Na petição, escreveram que "mais do que a valorização dos imóveis, chama atenção o fato de a pessoa jurídica adquirente [a MCA] ter como sócia outra empresa com sede no Panamá", a Listel S.A.



Os promotores explicaram que o Panamá é considerado um paraíso fiscal e "um dos mais tradicionais métodos de lavagem de dinheiro consiste na remessa de recursos ao exterior através de empresas offshore, sediadas em paraísos fiscais, onde se torna mais difícil apurar os reais beneficiários das transações envolvendo essas companhias".



No Brasil, a Listel tem como procurador o advogado Edgar Andrew Lynch, morador de Copacabana, no Rio. Apesar dessa função privilegiada na condução dos negócios da Listel no Brasil, Lynch não foi listado pelo Ministério Público no pedido de quebra de sigilos, cuja ordem judicial alcançou 95 pessoas e empresas, incluindo a MCA.



No último dia 22, o site Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo revelou que um dos sócios da Listel no Panamá foi, até 2014, a offshore Impala Ltd., sediada nas Bermudas, outro paraíso fiscal, que esteve no centro de um escândalo financeiro e político na Espanha, pelo qual o ex-tesoureiro do PP (Partido Popular) Luis Bárcenas foi condenado em 2018 a 33 anos de prisão.



OUTRO LADO
Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Rio informou que não iria comentar o erro apontado pela reportagem. "Em razão do sigilo legal decretado, o Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção do Ministério Público (Gaecc/MPRJ) não vai se pronunciar", disse o órgão em nota.



A assessoria do senador Flávio Bolsonaro informou que o parlamentar e sua equipe jurídica não iriam se manifestar. A reportagem esteve no prédio de Edgar Lynch na sexta (31). Pelo porteiro, ele informou que não receberia a reportagem. Foi deixado um recado, mas não entrou em contato até a conclusão deste texto. A reportagem também esteve na sede da MCA no Rio, registrada no mesmo endereço das antigas salas de Flávio no Barra Prime, mas ninguém deu retorno a um pedido de esclarecimentos.



A reportagem procurou outras duas pessoas associadas à MCA, Marcelo Cattaneo Adorno e o contador Délio Thompson de Carvalho Filho, mas eles não foram localizados.

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