BALBURDIA: Homem que virou mulher agrediu uma mulher que virou homem! Quem vai preso? - Se Liga na Informação





BALBURDIA: Homem que virou mulher agrediu uma mulher que virou homem! Quem vai preso?

Compartilhar isso

Notícia afirma que um homem que virou mulher agrediu uma mulher que virou homem e agora ninguém sabe como aplicar a lei Maria da Penha! Será verdade? A notícia, acompanhada de foto, apareceu no final…
Em tempos de banheiro unissex, de vagão feminino exclusivo, ejaculação no BRT, meninos vestindo saias na escola e por aí vai temos que convir que o mundo está uma loucura e os juristas estão encontrando dificuldades para dar respostas às diversas situações que se apresentam.
Não sabemos se a notícia é verídica, mas a discussão é de extrema importância.
O que diz o texto da Lei
Art.  Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Isso significa que a aplicação desta lei se cinge a dois elementos: o conceito de violência doméstica e familiar e o conceito de mulher.
Não vou entrar na discussão sobre a violência doméstica e familiar, pois vou tomá-la como pressuposto no caso ora discutido.
Isto é, entende-se que havia uma relação de parentesco ou convivência doméstica entre o agressor e a vítima.
É bem verdade que ao editar a Lei Maria da Penha o legislador poderia ter ampliado ainda mais a proteção da violência contra a mulher em razão do gênero, a qual ocorre não apenas no âmbito do lar, mas também em diversas outras situações, como no emprego e na faculdade.
Contudo, o intérprete não pode descolar o sentido do texto a pretexto de reescrevê-lo conforme suas preferências sob pena de violar a soberania democrática das leis produzidas, discutidas e votadas no Parlamento.
Assim mesmo que eu entenda que seria justo aplicar a lei nessas situações, devo me restringir aos limites semânticos do Direito posto, sob pena de violar a Separação de Poderes e romper a ordem constitucional.
O conceito de mulher vai encontrar uma grande confusão teórica decorrente da cisão da ideia de sexo e gênero, sendo o primeiro uma pré-determinação biológica e o segundo uma construção social.
Conservadores cristãos como eu entendem que o gênero além de uma construção social é também uma pré-determinação de ordem espiritual, mas isso é irrelevante para a aferição de sentido do que diz a lei.
Certo é que são esses dois elementos, o fator biológico e o fator social, que justificam a existência de uma lei que promove discriminação e em minha compreensão são eles que definem o que é ser mulher.
Entenda o que é discriminação positiva
O art.  da Constituição Federal assegura que todos são iguais perante a lei, ou seja, existe uma igualdade formal perante o ordenamento que exclui privação de direitos por conta de distinções de qualquer natureza.
Porém a lei não pode conformar o mundo material, de modo que a igualdade formal juridicamente garantida não vai fazer com que homens e mulheres sejam materialmente iguais, ou deficientes e não deficientes, crianças e idosos…
Diante de um quadro de desigualdade material o ordenamento jurídico precisa se adequar no sentido de desigualar para igualar, ou seja, identifica-se o grupo vulnerável e se legisla com o objetivo de conferir uma proteção extra a esse grupo em face dessa vulnerabilidade.
Isso justifica a existência de leis como o Estatuto da Criança e do Adolescentes, o Estatuto do Idoso, a Lei de Cotas e a Lei Maria da Penha.
Lei Maria da Penha vem atender essa vulnerabilidade da mulher em relação ao homem que se dá a meu ver por dois fatores: biológico e social.
Biológico porque não obstante os organismos masculino e feminino sejam similares via de regra a compleição física do homem é mais robusta, o que lhe confere maior força, agilidade, velocidade.
Tanto é que se convencionou separar a maioria das modalidades esportivas por sexo.
É claro que existem mulheres mais fortes, resistentes e rápidas que muitos homens, mas a lei como um mandado de natureza genérica e abstrata visa contemplar a maioria das situações.
O fator social tem a ver com as discriminações e vulnerabilidades decorrentes do papel secundário ou subalterno que socialmente é conferido à mulher, tais como subsalários, jornada dupla (em casa e na rua), dependência econômica exclusiva do parceiro, dentre outras.
A meu juízo são esses dois elementos que justificam a discriminação/discrímen, como diria Celso Antônio Bandeira de Melo, e é com base neles que se deve decidir pela aplicação ou não aplicação da Lei Maria da Penha.
Como fica a questão dos transgêneros?
Essas pessoas mencionadas no título são transgêneros, ou seja, pessoas que por não sentir identificação entre seu gênero e seu sexo decidiram promover uma intervenção cirúrgica/hormonal em seus corpos (além da aparência exterior que é o primeiro passo).
Eu não saberia dizer no caso concreto, porém alguns transgêneros não fazem a “transição completa” e acabam como algo intermediário.
Inclusive é uma pretensão política deste grupo romper com a noção binária de gênero que hoje ainda vige em nossa sociedade.
Como conservador cristão, eu tenho tal pretensão como um grande absurdo por confundir tolerância com concordância a consubstanciar uma ditadura da minoria, mas isso não vem ao caso.
Sob o aspecto social o fato de alguém tornar-se transgênero o retira da noção social que historicamente se atribui a mulher.
No caso do homem que vira mulher, a sociedade não o vê como mulher e no caso da mulher que vira homem o mesmo ocorre.
Independentemente de você leitor entender que é preconceito ou não essa é uma conclusão fática: o transgênero sai de um papel social construído a priori (homem ou mulher) e se insere em uma nova categoria que tem suas próprias questões e vulnerabilidades.
Como ambos se encontram incluídos nessa mesma categoria e, portanto, são socialmente vulneráveis de modo equitativo, entendo que o fator social deixa de ser um elemento de discriminação válido nessa hipótese.

Certo que é que a despeito das intervenções cirúrgicas o homem continuará com compleição física masculina, isto é, estatura, força, agilidade e a mulher também.
Por isso, não obstante as alterações promovidas pela mudança de sexo, o fator biológico permanece presente.
Assim, entendo que se aplica a Lei Maria da Penha para proteger a mulher que virou homem contra a agressão do homem que virou mulher.
O mesmo não ocorreria se fosse o inverso pela ausência do fator biológico.
Como fica a questão dos homossexuais?
Em relação às lésbicas, o fator biológico é irrelevante porque ambas têm o mesmo sexo, mas caso seja verificada no caso concreto vulnerabilidade social, decorrente do papel ocupado pela mulher dentro daquela estrutura familiar, seria então possível aplicar a lei.
No que tange aos gays (homossexuais masculinos) entendo não ser aplicável a lei, justamente porque o conceito de mulher leva em consideração os fatores biológico e social, de modo que ainda que um dos dois julgue ocupar um papel semelhante ao da mulher a compleição física jamais se amoldará ao que justifica a existência da lei.
Em outras palavras, mesmo que os homossexuais se vejam como mulheres ou outra definição intermediaria de gênero a questão biológica é insuperável.
Como fica a questão dos homens agredidos?
Se é possível levantar algumas objeções no que diz respeito aos homossexuais e lésbicas, aqui me parece muito claro não ser possível a aplicação da lei.
Isto porque a Lei Maria da Penha significa proteção extra e não proteção exclusiva, ou seja, existem leis que proíbem a agressão de homens e permitem a tomada de medidas semelhantes tais como o afastamento do lar.
Para isso o homem terá apenas que se utilizar das vias ordinárias, comparecer à delegacia, registrar BO por lesão corporal, nos termos do Código Penal ou ajuizar uma ação cível na Justiça Comum.
Em outras palavras, a existência da Lei Maria da Penha não desprotege o homem, apenas confere maior proteção à mulher.
Por isso, negar a aplicação dessa lei para proteger os homens não caracteriza uma espécie de discriminação inversa, mas sim a garantia da igualdade material que ela visa promover no seio da sociedade brasileira.
Por fim, cabe ressaltar que no caso concreto competirá a cada participante da relação jurídica-judicial trabalhar no sentido de impedir que a discriminação positiva se torne um privilégio odioso, na medida em que comece a comprometer a ampla defesa, o contraditório ou outras garantias constitucionais.
Rick Leal Frazão Advogado (Pós-Graduando em Direito e Processo do Trabalho

Nenhum comentário:

Postar um comentário