A INERRÂNCIA BÍBLICA NÃO É OPCIONAL - Vincent Cheung - Se Liga na Informação





A INERRÂNCIA BÍBLICA NÃO É OPCIONAL - Vincent Cheung

Compartilhar isso

Ou “A Declaração de Chicago sobre a Inerrância Bíblica, Artigo 19”

~ Extraído de Vincent Cheung, O Sermão do Monte ~


Jesus exprime a visão mais elevada das Escrituras, dizendo que “a menor letra ou o menor traço” na lei não desaparecerá ou deixará de ser cumprida. O termo grego para “a menor letra” é iota, referindo-se à menor letra do alfabeto hebraico, yod, que é quase tão pequena quanto uma vírgula, qual um apóstrofo ou um sinal diacrítico. “O menor traço” (keraia) alude a um dos traços e projeções minúsculas que distinguem algumas letras hebraicas de outras, qual a serifa nas fontes modernas.

Em resumo, Jesus afirma que tudo nas Escrituras é inspirado, inerrante, infalível e dotado de autoridade, palavra por palavra. Portanto, o conceito correto de inerrância bíblica aceita não somente os eventos gerais e as doutrinas ensinadas naquelas, mas assevera que Deus infalivelmente fez com que fossem escritas as próprias palavras e as próprias letras usadas na Bíblia. Negar isso ou afirmar algo aquém disso é chamar Jesus de mentiroso.

Por essa razão, tenho sérias reservas acerca do Artigo 19 da Declaração de Chicago sobre a Inerrância Bíblica. O Artigo começa com uma afirmação: “Afirmamos que uma confissão da autoridade, infalibilidade e inerrância plenas das Escrituras é vital para uma judiciosa compreensão da totalidade da fé cristã. Além disso, afirmamos que tal confissão deve conduzir a uma conformidade cada vez maior com a imagem de Cristo.” Certamente não tenho objeção a essa porção, só que depois o Artigo segue com uma negação: “Negamos que tal confissão seja necessária para a salvação. Contudo, negamos também que se possa rejeitar a inerrância sem graves consequências, quer para o indivíduo quer para a Igreja.”

No comentário oficial sobre a Declaração, R. C. Sproul esclarece com mais detalhes a negação, escrevendo:

          A negação no Artigo XIX é muito importante. Os formuladores da confissão estavam dizendo sem ambiguidade que a confissão da crença na inerrância das Escrituras não é um fundamento da fé cristã necessário para a salvação. Reconhecemos alegremente que pessoas que não sustentam essa doutrina podem ser cristãos sérios e genuínos, zelosos e de muitas formas dedicados. Não reputamos a aceitação da inerrância como um teste para a salvação.[1]

Embora Sproul alegue que o Artigo pretende não ser ambíguo, seu significado preciso ainda é incerto pra mim. Parece que há vários significados possíveis ao Artigo e à exposição de Sproul:

          1. Sem um conhecimento definido da vindicação que as próprias Escrituras fazem à inerrância, alguém pode implicitamente rejeitar essa doutrina e ainda ser um cristão.

          2. Com algum conhecimento definido da vindicação que as próprias Escrituras fazem à inerrância, alguém pode implicitamente rejeitar essa doutrina e ainda ser um cristão.

          3. Sem um conhecimento definido da vindicação que as próprias Escrituras fazem à inerrância, alguém pode explicitamente rejeitar essa doutrina e ainda ser um cristão.

          4. Com um conhecimento definido da vindicação que as próprias Escrituras fazem à inerrância, alguém pode explicitamente rejeitar essa doutrina e ainda ser um cristão.

Não está claro o que Sproul quer dizer por “pessoas que não sustentam essa doutrina”. Ele está se referindo àqueles que simplesmente negligenciam a afirmação dessa doutrina, ou também àqueles que conscientemente rejeitam tal doutrina? Embora Sproul e o Artigo não abordem essa questão com clareza suficiente, é quase certo que eles querem dizer o último, visto que o Artigo diz: “Negamos também que se possa rejeitar a inerrância sem graves consequências, quer para o indivíduo quer para a Igreja”. Isto é, os formuladores estavam pensando naqueles que rejeitam a doutrina, e não apenas naqueles que não fazem caso de a afirmar, tais como os que nunca levaram em consideração o assunto.

Em outras palavras, Sproul e o Artigo dão a impressão de afirmar todas as quatro proposições. Se é deveras assim, então discordo fortemente deles. Em vez disso, deveríamos rejeitar pelo menos a proposição final.

Partindo de Mateus 5.19, demonstramos que Jesus sustentava o mais alto conceito das
Escrituras, asseverando serem elas inspiradas, inerrantes e infalíveis palavra por palavra. Ora, se depois de provar claramente esse ponto para uma pessoa, esta ainda rejeitar a inerrância bíblica, a implicação necessária é que tal pessoa crê que o próprio Jesus cometeu um engano sobre a questão. Entretanto, se a salvação exige uma profissão explícita da divindade e senhorio de Jesus Cristo, logo é incongruente um cristão professo confessar a divindade e senhorio de Cristo e, entrementes, acusálo de erro ou mesmo de desonestidade.

Em outras palavras, é impossível professar a Cristo como Senhor e como mentiroso ao
mesmo tempo, de modo que uma afirmação explícita de Cristo como Senhor é igualmente uma afirmação implícita da inerrância bíblica, e uma negação explícita da inerrância bíblica é também uma negação implícita de Cristo como Senhor.

Não estou dizendo que alguém deve afirmar explicitamente a inerrância bíblica para ser um cristão. Quiçá a pessoa nunca tenha refletido sobre o assunto. Quiçá ela não esteja ciente de que Cristo, os apóstolos e os profetas insistiam a respeito da inerrância bíblica. Ou, quiçá, ela foi ensinada erroneamente. Sob essas circunstâncias, concordo que é possível alguém ser um cristão genuíno com uma efetiva profissão de Cristo sem afirmar a inerrância bíblica.

Não obstante, uma vez que a pessoa é confrontada com as inúmeras passagens nas quais Cristo, os apóstolos e os profetas insistem sobre a inerrância bíblica, ela não mais pode pretextar ignorância, nem podemos pensar que ela nunca considerou o assunto. Antes, aquela deve agora afirmar ou rejeitar explicitamente a inerrância bíblica e, assim, afirmar ou rejeitar implicitamente a integridade e autoridade de Jesus Cristo.

Uma vez que a pessoa sabe que as Escrituras reivindicam serem inspiradas, inerrantes e
infalíveis, se ela rejeita a doutrina da inerrância, mas ainda alega crer no evangelho, então isso somente pode significar que sua fé descansa em sua própria opinião e julgamento, não na promessa de Deus como revelada naquelas. Em vez de se fiar na revelação divina, essa pessoa faz julgamento de tal revelação, afirmando porções dela ao mesmo tempo em que rejeita outras partes, de forma que, em última análise, sua fé reside em si mesmo, não no poder e sabedoria de Deus. Mas, e aí, a fé dessa pessoa ainda é real, ou foi exposta como falsa? Se você crê que Jesus está errado quando ele fala sobre as Escrituras, então sobre que outra base sua própria opinião e preferência, ou algum outro padrão externo àquelas, fazem-no crer que Jesus está certo ao falar acerca da salvação?

Para usar um exemplo aleatório a fim de ilustrar o que quero dizer, eu posso afirmar explicitamente a inerrância sem afirmar ou negar explicitamente a proposição “Josafá morava em Jerusalém” (2 Crônicas 19.4). O motivo é que eu posso não conhecer o versículo. Todavia, dado que a proposição está contida na Bíblia, minha afirmação explícita da inerrância bíblica é também uma afirmação implícita de 2 Crônicas 19.4.

Contudo, se alguém agora me confronta com 2 Crônicas 19.4, mas eu rejeito explicitamente o
versículo, então isso deve necessariamente implicar que minha afirmação explícita inicial da inerrância bíblica era uma mentira – isto é, na verdade eu não creio na inerrância bíblica.

De igual maneira, uma pessoa pode afirmar explicitamente a Cristo como Senhor sem afirmar ou negar explicitamente a inerrância bíblica. Isso se dá provavelmente porque ela nunca ponderou sobre o assunto, ou porque nunca foi confrontada com as passagens bíblicas relevantes. No entanto, sua afirmação explícita de Cristo como Senhor é também uma afirmação implícita de tudo o que Cristo disse. E, visto que Cristo afirmou a inerrância bíblica, a afirmação explícita dessa pessoa de Cristo como Senhor é também uma afirmação implícita da inerrância bíblica.

Mas, se alguém ora o confronta com as afirmações de Cristo sobre a inerrância bíblica, e ele explicitamente as rejeita, então isso deve necessariamente implicar que sua afirmação explícita inicial de Cristo como Senhor (o que implica uma afirmação do que Cristo afirma, a saber, a inerrância bíblica) também era falsa.

Se ele declara que os ensinos escriturísticos sobre a obra redentora de Cristo são verdadeiros, ao passo que os ensinos sobre as asseverações de Cristo no tocante à inerrância bíblica são falsos, então essa pessoa está obviamente usando sua própria opinião e preferência, ou algum outro padrão externo à Bíblia, para julgar a revelação divina. Isso, por sua vez, significa que sua fé é falsa, posto que se apoia apenas em sua própria opinião e preferência e não na promessa de Deus como registrada nas Escrituras.

A conclusão inevitável, parece, é que ninguém que tenha sido claramente confrontado com oensino de Cristo a respeito da inerrância bíblica pode rejeitar a inerrância bíblica e ainda alegar legitimamente ser um cristão. Entretanto, Sproul e a Declaração de Chicago parecem ensinar o oposto, motivo pelo qual devemos discordar deles.

Sproul é conhecido por afirmar e defender a Confissão de Fé de Westminster, mas no próprio
capítulo onde a Confissão discute “Fé Salvadora”, ela diz: “Por essa fé o cristão, segundo a autoridade de Deus mesmo falando em sua Palavra, crê ser verdade tudo quanto está revelado na Palavra” (14.2).

Sendo preciso, ela não diz: “se você é um cristão, ou se você tem essa fé, então seguramente acreditará em tudo o que está escrito nas Escrituras”, porém, tenho sérias dúvidas de que a Confissão pretenda deixar espaço à incredulidade, como em, “se você é um cristão, então Deus lhe deu a fé pela qual crer em tudo o que está escrito na Escritura, mesmo que você não creia de fato”. Ou seja, parece claro que a Confissão está se referindo a uma crença real (mesmo que algumas vezes implícita) nas Escrituras, e não meramente uma crença potencial que pode rejeitar explicitamente alguma parte delas.

As citações a seguir, extraídas de diversos comentários sobre a Confissão, concordam com
esse entendimento:

          Como a fé, em geral, é um assentimento à verdade com base no testemunho, assim também a fé divina é um assentimento à verdade com base no testemunho divino. A fé salvífica, portanto, inclui um assentimento do coração a todas as verdades reveladas na Palavra de Deus, quer relacionadas com a lei ou com o evangelho; e isso, não com base no testemunho de algum homem ou Igreja, nem porque elas parecem em consonância com os ditames da razão natural, mas sobre o fundamento da verdade e autoridade de Deus mesmo, falando nas Escrituras, e evidenciando a si próprias, pela distinta luz e poder delas, à mente. (Robert Shaw)[2]

          … uma seleção cuidadosa de todos os detalhes bíblicos mostra que esses supostos conservadores estão usando um critério de verdade que não a Bíblia mesma… Em outras palavras, eles não aceitam nenhum versículo bíblico “pela autoridade do próprio Deus falando em sua Palavra”. Se eles aceitassem mesmo que um único versículo baseados na autoridade de Deus, eles creriam “ser verdade tudo quanto está revelado na Palavra”, isto é, tudo dela. Porque a Bíblia é a Palavra de Deus, como diz o Capítulo 1, e Deus fala a verdade… a Confissão diz que a fé salvífica aceita tudo o que está revelado na Palavra… (Gordon H. Clark)[3]

          O efeito geral da obra do Espírito é produzir fé em TUDO O QUE ESTÁ REVELADO NA PALAVRA… A doutrina católica romana da fé implícita ensina que os católicos aceitam implicitamente tudo o que sua igreja ensina oficialmente, mesmo antes de eles aprenderem do que se trata. Isso é uma caricatura da doutrina verdadeira aqui apresentada na Confissão de Westminster – os cristãos regenerados têm fé na Palavra de Deus, não na palavra de homens. A fé implícita nas Escrituras é, na verdade, o que o Espírito opera no coração dos eleitos. (Gerstner, Kelly e Rollinson)[4]

          A fé salvífica recebe como verdade todo o conteúdo da Palavra de Deus, sem exceção.… a totalidade dela deve ser recebida como sendo igualmente a Palavra de Deus, e em todas as suas partes tem que ser aceita com igual fé. A mesma iluminação do entendimento e renovação das afeições que lançam o alicerce para a ação de fé da alma em alguma porção do testemunho de Deus lança o mesmo fundamento para a sua fé agir em todas as outras porções. Toda a Palavra de Deus, portanto, na medida em que é conhecida pelo indivíduo, excluindo-se todas as tradições, doutrinas de homens ou pretensas revelações particulares, é o objeto da fé salvífica. (A. A. Hodge)[5]


Nesse ponto, concordo plenamente com a Confissão e com os comentários acima. Esse
capítulo na Confissão aborda a fé salvífica, e não a fé madura, a fé perfeita, ou algum outro tipo de fé; ela está discorrendo sobre o tipo de fé que qualquer cristão verdadeiro deveria ter. Portanto, visto que Sproul tem previamente afirmado a Confissão de Westminster, ele se contradiz ao afirmar também o Artigo 19 da Declaração de Chicago e ainda em sua exposição do Artigo.[6]

A igreja deveria confrontar aqueles que negam a inerrância bíblica, exibindo-lhes aquelas passagens bíblicas que confirmam e ensinam a inerrância bíblica, e mostrando-lhes que uma rejeição consciente da inerrância bíblica também constitui uma rejeição de Cristo.

Então, visto que uma rejeição consciente da inerrância bíblica também constitui uma rejeição
de Cristo, os que continuam a rejeitar a inerrância bíblica depois de cuidadosas e repetidas confrontações por parte da igreja deveriam ser excomungados. A igreja deveria considerar a sua profissão de Cristo como insincera e falsa e, destarte, tratá-los como incrédulos e excluí-los da comunidade do pacto.

Essa proposta bíblica pode chocar e até mesmo encolerizar certos líderes e membros de igreja. Entretanto, o que deveria ser mais chocante e enfurecedor é a forma com que muitas igrejas corretamente excluem aqueles que cometem pecado e recusam-se a arrepender, sobretudo depois de repetidas advertências e confrontações, e, então, essas mesmas igrejas continuam a aceitar os que negam a inerrância bíblica, quando a inerrância bíblica é a própria base sobre a qual elas expulsam os outros ofensores impenitentes.

Enquanto estamos abordando o assunto, poderia também assinalar que os líderes de igreja
que recusam tratar com aqueles que rejeitam a inerrância bíblica deveriam ser removidos do ofício. Sem dúvida, muitas igrejas preferem agradar os homens em vez de agradar a Deus; preferem a harmonia centrada no homem, em vez da pureza centrada em Deus, e desta sorte hereges e apóstatas permanecem e continuam a atormentar essas igrejas, isto é, permanecem e continuam assim até que Deus as desperte ou julgue.

O Artigo 19 da Declaração de Chicago e a exposição que Sproul faz dela equivalem a uma
declaração oficial e pública de que a crença na inerrância bíblica é opcional. É verdade que o Artigo adverte sobre as “graves consequências” de rejeitar a inerrância bíblica, contudo, quão graves podem ser essas consequências quando a exposição oficial desse Artigo diz: “Reconhecemos alegremente que pessoas que não sustentam essa doutrina podem ser cristãos sérios e genuínos, zelosos e de muitas formas dedicados”?

Eles não declaram isso com relutância ou má vontade, mas alegremente. Quanto à descrição
“cristãos sérios e genuínos, zelosos e de muitas formas dedicados”, mesmo aqueles cristãos que afirmam sim a inerrância bíblica amiúde não merecem tal elogio. Assim, a exposição de Sproul oficial e publicamente assegura àqueles que rejeitam a inerrância bíblica que as consequências nunca serão tão graves ao ponto de envolver condenação eterna. De fato, “de muitas formas”, tais indivíduos podem ser cristãos muito bons sem aceitar a doutrina. Contra esse desrespeito gritante para com o que as Escrituras ensinam acerca do assunto, devemos antes insistir que a inerrância bíblica é inegociável; ela não é opcional.


NOTAS DE RODAPÉ:

[1] R. C. Sproul, Explaining Inerrancy; International Council on Biblical Inerrancy, 1980; p. 56.

[2] Robert Shaw, An Exposition of the Westminster Confession of Faith; Christian Focus Publications, 1998; p. 193. 

[3] Gordon H. Clark, What Do Presbyterians Believe?; Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1965; p. 148-149.

[4] John H. Gerstner, Douglas F. Kelly e Philip Rollinson, A Guide to The Westminster Confession of Faith; Summertown Texts, 1992; p. 72. 

[5] A. A. Hodge, The Confession of Faith; The Banner of Truth Trust, 1998 (original: 1869); p. 205-206.

[6] Eu não vou afirmar que sei o porquê de Sproul cometer esse erro. A julgar pelo que conheço a respeito dele, e sendo bondoso acerca da matéria, acho que isso se dá por ele não ter refletido o suficiente sobre as implicações necessárias do Artigo 19, não devido a qualquer incredulidade clamorosa ou erro doutrinário sério de sua parte.


Via: https://www.vincentcheung.com/

Cristão Protestante, Servo de Cristo,Missionário e estudante de Teologia. Estudou Curso Bíblico e Teológico no CEIBEL, Teologia Pastoral e Missiologia pelo Seminário Teológico Nacional, Bacharel em Teologia pela Universidade da Bíblia, e Teologia Reformada na FATERGE - Faculdade de Teologia Reformada de Genebra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário