RIO — A segunda-feira não foi igual ao domingo que passou. Se na primeira noite de desfiles o Império Serrano não surpreendeu e Beija-Flor e Grande Rio decepcionaram, na segunda todas as escolas do Grupo Especial chegaram junto e se provaram capazes de atingir seus objetivos, sejam eles o título, o sábado das campeãs ou a permanência no Grupo Especial do carnaval carioca.

A São Clemente abriu a noite com a reedição de "E o samba sambou?", enredo de 1990 que criticava a comercialização do carnaval (e cujo título perdeu a interrogação e ganhou status de assertiva 29 anos depois). Leve, respeitando suas cores e muito animada — graças, em parte, ao bom trabalho dos puxadores, liderados por Bruno Ribas —, a escola acabou reeditando a si mesma, encarnando a São Clemente dos anos 1980. Um blocão (no melhor dos sentidos) de carnaval, festivo, crítico e irônico. A comissão de frente brilhou com cartolas do samba, representando as escolas, que encenavam uma virada de mesa. A ameaça de rebaixamento parece passar longe da Praia de Botafogo.

A Unidos de Vila Isabel veio em seguida, com sua homenagem à cidade de Petrópolis, narrada pela Princesa Isabel — para criar um vínculo com a escola. Já se falava no mundo do samba que a escola que tem em um extremo Martinho da Vila e no outro o bicheiro Capitão Guimarães não tinha problemas de dinheiro, diferente da maioria das concorrentes. Mas o que se viu em "Em nome do pai, dos filhos e dos santos — A Vila canta da cidade de Pedro" foi uma Beija-Flor além da Beija-Flor, imponente, grandiosa e de bom gosto. Estreante no comando da bateria, o jovem Macaco Branco segurou a cadência para o melodioso samba de André Diniz, Evandro Bocão e parceiros. O enredo, do carnavalesco Edson Pereira, poderia ter sido desenvolvido de maneira mais criativa, mas a parte visual da Vila foi, possivelmente, a melhor de todo o desfile.

Uma das favoritas no pré-carnaval, a Portela teve que lidar com a impressão causada por sua antecessora, e as alegorias de Rosa Magalhães em "Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar uma sabiá", uma homenagem a Clara Nunes com o colorido da arte moderna brasileira, começaram causando um impacto negativo. Aos poucos o bom gosto da carnavalesca nas fantasias e a forma como a brasilidade de Clara e de sua música foi exibida ganharam força, resultando num desfile sólido.

Vindo depois de duas apresentações fortes, a União da Ilha do Governador poderia se apequenar, mas não foi o que aconteceu. Bem vestida, alegre e leve, a escola tricolor deu bem seu recado em "A peleja poética entre Rachel e Alencar no avarandado do céu". Se o enredo não se aprofundou como sugeria o título — ficando mais numa homenagem ao Ceará —, fantasias e alegorias alegraram o público, que viu o puxador Ito Melodia segurar bem um samba que não chamava a atenção no disco.

Queridinho do público com sua crítica à escravidão e retrato de mazelas contemporâneas em 2018 — quando abiscoitou um inédito vice-campeonato —, o Paraíso do Tuiuti optou por se manter numa praia semelhante, mas com mais leveza e humor. "O salvador da pátria" usou a história de um bode vencedor de uma eleição, no Ceará (de novo!) para, mais uma vez, chamar a atenção para a corrupção e outros problemas políticos do Brasil. Apesar da cadência ultra-acelerada da bateria, a escola agradou ao público, embora não tenha lacrado como em 2018.

O momento mais esperado da noite veio com a Estação Primeira de Mangueira e sua "História para ninar gente grande", samba e desfile mais esperados do carnaval. Curta, agressiva, impactante, a escola comandada pelo carnavalesco Leandro Vieira entregou o que prometeu, com críticas fortes à História oficial, à ditadura e à exclusão, terminando com a lembrança do assassinato ainda não solucionado da vereadora Marielle Franco, que na próxima semana completa um ano. Jorraram versos, melodia e lágrimas.

Sobrou para a Mocidade Independente de Padre Miguel, cujo desfile, correto, faria muito mais sucesso em outras condições. Falando do tempo e da própria história, a escola alviverde veio bonita, e sua bateria valorizou a melodia do samba com uma cadência precisa, sem correr, sem pressa de chegar. Embora bonito, faltaram ao trabalho do carnavalesco Alexandre Louzada maiores ideias em um tema tão amplo. Mas foi um bom encerramento para uma noite forte de desfiles.

Nesta quarta-feira, abrem-se os envelopes, e são muitas as possibilidades.

Fonte: O Globo
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