A Sola Scriptura é um princípio bíblico? - Se Liga na Informação





A Sola Scriptura é um princípio bíblico?

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Por Davi Caldas
Em geral, os protestantes entendem o conceito de Sola Scriptura como abarcando os seguintes pontos: (1) a Bíblia é o único padrão pelo qual toda doutrina, fato básico para fé e prática devem ser julgados; (2) a Bíblia é a suficiente revelação de Deus para as questões básicas da fé (atributos de Deus, criação do mundo, queda do homem, pecado, padrão moral, Lei, plano de redenção, salvação, etc.); (3) a Bíblia não precisa de complemento; (4) a Bíblia tem primazia sobre quaisquer outras fontes de conhecimento quando há divergência entre elas; (5) a Bíblia possui em si mesma as ferramentas necessárias para interpretá-la (isto é, os textos e seus contextos).
O conceito, assim entendido, é um dos pilares da Reforma, juntamente com os conceitos de Sola Fide, Sola Gratia, Solus Christus e Soli Deo Gloria. Por essa mesma razão, o conceito é uma das principais diferenças entre católicos romanos e protestantes. Para os católicos, a Bíblia não é o único padrão para julgar fé e prática, nem a suficiente revelação de Deus para as questões básicas da fé. Ela requer a complementação da tradição e do magistério da ICAR. Por conseguinte, a tradição e o magistério são, para os católicos, autoridades no mesmo grau da Bíblia e a Bíblia, não sendo completa sem os dois, só pode ser interpretada corretamente pela ICAR. Isso é reforçado, na doutrina católica, pela noção de que a Bíblia foi produzida pela própria ICAR, o que daria ao catolicismo, e somente a ele, o direito supremo de interpretá-la. Desses pontos se depreende ainda que a ICAR é infalível em matéria de doutrina.
Podemos resumir, então, a posição de católicos e protestantes quanto à Bíblia da seguinte forma: protestantes sustentam a Sola Scriptura, enquanto que católicos defendem um tripé formado por Bíblia, tradição e magistério católicos. Como resultado dessa diferença, é comum católicos questionarem o princípio da Sola Scriptura das mais diversas maneiras. Uma delas é sugerindo que o princípio não é defendido na própria Bíblia Sagrada. Seria, portanto, apenas uma invenção dos primeiros protestantes.
Nesse artigo, vamos lidar com essa objeção, demonstrando algumas evidências bíblicas e históricas de que o conceito de Sola Scriptura já estava presente entre os autores das Sagradas Escrituras e o próprio Jesus.
Evidência 1: Jesus e os escritores do NT colocavam a Escritura acima da tradição e do magistério judaicos
Não vemos Jesus, nos evangelhos, apelando para as centenárias tradições rabínicas, nem o magistério rabínico de sua época. Todo o seu ministério era baseado numa postura de centralização das Escrituras hebraicas. Em um de seus primeiros discursos públicos, Jesus enfatizou que não viera abolir a Lei e os Profetas (isto é, as Escrituras hebraicas), mas cumprir e que nem um i ou til passaria da Lei (Mt 5:17-19). No verso seguinte, ainda afirma que a justiça de seus seguidores deveria exceder muito a dos escribas e fariseus – o magistério da época (Mt 5:20). E ele continua até por mais todo o capítulo criticando tradições interpretativas errôneas a respeito da Lei (Mt 5:21-48).
Em Mateus 15, Jesus aparece em outro discurso contra alguns mestres da época. Seus discípulos estavam sendo acusados por alguns fariseus de transgredir a tradição dos anciãos ao não praticar a lavagem ritual das mãos antes da comida (vs. 1-2). Jesus retruca questionando por qual razão aqueles mestres chegavam ao ponto de transgredir mandamentos de Deus em prol da tradição (vs. 3-9). Só nesse pequeno trecho, Jesus usa duas passagens diferentes da Escritura para provar seus pontos. No verso 9, cita Isaías 29:13, ao falar de “preceitos de homens”. A ocasião não é narrada só em Mateus 15, mas também em Marcos 7, onde podemos ver a mesma crítica de Jesus à tradição dos anciãos sendo posta no lugar da Lei de Deus (vs. 6-13).
Os evangelistas também relatam sobre as vezes em que Jesus orientou seus discípulos a tomarem cuidado com a doutrina e a hipocrisia de fariseus e saduceus (Mt 16:1-12; Mc 8:11-21; Lc 12:1). As discussões sobre sábado entre Jesus e os líderes de seu tempo também denotam que ele não estava disposto a ceder às distorções promovidas pelas tradições errôneas sobre como guardar a Lei e o magistério corrupto (Mt 12:1-14; Mc 2:23-28 e 3:1-6; Lc 6:1-11 e 10:13-17; Jo 5:1-18 e 7:21-24). Em todos esses casos, Jesus usou a Escritura contra a tradição e o magistério. Isso não quer dizer que a tradição e os líderes não têm importância e devem sempre ser combatidos. Significa apenas que tradição e líderes são falíveis, enquanto a Escritura não. Por isso, ela tem primazia.
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A centralidade da Escritura para Jesus também fica clara no fato de que todos os seus ensinos eram baseados nela. Até mesmo o mandamento que ele diz ser “novo” – amar uns aos outros como ele nos amou (Jo 13:34-35 e 15:12-17) – é novo apenas em grau, pois a essência é amar ao próximo, um mandamento da Torá (Lv 19:18). Aos mestres saduceus que lançavam perguntas capciosas, chegou a diagnosticar que o problema deles era não conhecer as Escrituras (Mt 22:29; Mc 12:24). Aos mestres fariseus que não criam nele, Jesus afirma que toda a Escritura testificava dele (Jo 5:39-47). E aos discípulos faz questão de explicar, um pouco antes de ascender aos céus, o que nas Escrituras se referia a ele (Lc 24:27).
A preocupação de Jesus em mostrar o que dele se falava nas Escrituras pode ser uma das principais razões pelas quais os apóstolos possuíam uma pregação baseada em expor como Jesus cumpria diversas profecias e simbologias do AT (Mt 1:18-25, 4:12-17, 8:16-17, 12:9-21 e 27:35; Jo 12:35-42 e 19:24-36; At 2:22-36, 7:52-53, 8:30-40, 17:1-4 e 18:28; Rm 1:1-5 e 16:25-27; I Co 15:3-4; Gl 3:22; I Pd 2:6). Em suma, não bastava pregar que um homem chamado Jesus fizera maravilhas e se dizia Filho de Deus. Era preciso provar isso nas Escrituras hebraicas.
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Isso explica porque Lucas elogia os bereianos por eles comparavam a mensagem dos evangelistas com o que as Escrituras hebraicas diziam (At 17:11). E porque Paulo eleva as Escrituras como fortaleza contra enganos, elogia Timóteo por ser versado nelas desde pequeno, exalta a inspiração delas e as coloca como essenciais para uma vida espiritual plena (I Tm 3:10-17). Já sobre tradições de homens, Paulo alerta aos colossenses sobre os seus perigos (Cl 2:8 e 20-23) e aos gálatas a respeito de como ele mesmo era apegado a tais tradições quando perseguidor da Igreja (Gl 1:13-14).
Digno de nota é que não encontramos na Escritura nenhum indício de que o cargo religioso máximo de Israel, o sumo-sacerdócio, dava a quem o ocupava a prerrogativa de infalibilidade doutrinária. Jesus foi condenado por um sumo-sacerdote (Mt 26:62-68; Mc 14:60-65; Jo 11:46-57 e 18:12-24). Pedro, João e Paulo também chegaram a ser mal julgados pelo sumo-sacerdote da época e outros integrantes do Sinédrio (At 4:5-31, 5:17-40, 23:1-5 e 25:1-8). Ora, se os homens que se assentaram no cargo religioso mais alto de Israel foram capazes de condenar homens de Deus e o próprio Jesus, não há razão alguma para crer que o magistério era infalível em matéria de doutrina. E se não o era em Israel, povo étnico de Deus, por que o seria entre os cristãos? Não parece haver qualquer razão bíblica para sustentar esta tese. Assim, concluímos que a Escritura era vista por Jesus e os autores do NT como sendo central na vida religiosa e estando acima de tradição e magistério – os quais eram falíveis.
Evidência 2: Os hebreus iniciaram esse padrão em Moisés e o consolidaram antes mesmo de Jesus vir à Terra 
O hábito de ter uma Escritura-padrão com os mandamentos de Deus, o plano de redenção e a história espiritual da humanidade remonta a Moisés. Os livros do profeta (chamados de Torá) foram entendidos como santos desde sempre (Êx 24:7; Dt 28:58-61, 29:20-27, 30:10; Js 1:8, 8:31-34, 23:6) e um deles, Deuteronômio, deveria ser lido de sete em sete anos pelos levitas para todo o povo (Dt 31:9-26). Josué, feito sucessor de Moisés pelo próprio profeta e demonstrando, por toda a vida, ser fiel a Deus e à Torá, também teve seus escritos adicionados à Torá após a sua morte (Js 24:26).
A coletânea dos livros de Moisés e Josué parecem ter criado uma tradição de guardar os escritos de homens que eram publicamente conhecidos e reconhecidos como profetas, grandes líderes, fieis a Yahweh e coerentes para com a Torá. Possivelmente esses livros eram guardados e copiados por levitas, profetas e sábios. Daniel, por exemplo, tinha acesso aos escritos de Jeremias (Dn 9:2). A fama de Daniel como homem de Deus, por sua vez, é atestada no livro de Ezequiel ao lado de Jó e Noé (Ez 14:14,20 e 28:3), o que torna natural concluir que tanto o profeta Ezequiel quanto outros homens fieis já viam o livro de Jó e o livro de Daniel como sagrados.
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Desde os tempos mais antigos, houve uma tendência de profetas e escribas hebreus escreverem e guardarem livros com os relatos de profecias, visões, os feitos dos reis e de grandes homens, batalhas importantes, genealogias, etc. (Nm 21:14; I Sm 10:25; Js 10:13; II Sm 1:18; I Rs 11:41; I Rs 14:19; I Rs 14:29; II Cr 21:12; II Cr 9:29, 12:15 e 13:22; II Cr 20:34; II Cr 26:22; II Cr 33:19; II Cr 35:25; Ne 5:6-28; Jr 30:2, 36:2-32, 45:1; Dn 12:4; Na 1:1). Muitos desses escritos não se tornaram parte da Bíblia (embora tenham sido mencionados nela) e se perderam no tempo. A razão natural para isso pode ter sido a menor relevância espiritual desses escritos.
O que poderia fazer esses escritos menos relevantes? Podemos pensar em algumas razões: (a) um conteúdo mais relacionado a pessoas específicas da época e contextos que não influenciavam os rumos de Israel, nem do mundo; (b) um conteúdo que se encontra melhor registrado em outros documentos; (c) um conteúdo que não foi feito especificamente para propósito espiritual (e, portanto, não inspirado); (d) um conteúdo procedência incerta e interpretação questionável. Qualquer um desses motivos poderia facilmente levar a outros como: (e) menor atenção do público e impacto entre a nação; (f) menos citações por parte dos levitas, profetas, sábios e mestres da Lei, (g) menos cópias e (h) menos cuidado na conservação. Assim, os outros escritos tomaram uma relevância maior e, por conseguinte, maior aceitação, fama e reconhecimento. E os menos famosos acabaram por desaparecerem no tempo.
A providência divina, contudo, certamente esteve por trás de todas essas razões naturais, guiando o processo de desaparecimento de alguns escritos e conservação daqueles que Ele pretendia transformar na Bíblia.
Ora, na medida em que o tempo foi passando, quatro pontos podem ter começado a chamar a atenção dos judeus para a necessidade de fechar e definir de modo claro a coleção sagrada: (1) a constatação progressiva da relevância, impacto, influência e unidade de seu conteúdo; (2) o surgimento de muitos escritos não inspirados (o que tornava imperativo separar os livros sagrados dos que eram de origem humana); (3) o fim do aparecimento de grandes profetas (o que tornava os escritos passados mais relevantes e norteadores); (4) o crescente sentimento (a partir da época de Esdras e Neemias) de proteger o povo de desvios. Desta forma, o período intertestamentário parece prover todo o contexto necessário para que as primeiras tentativas de fechar uma lista aparecessem.
Embora seja possível constatar na história listas distintas, havia entre elas uma maioria de escritos aceitos por quase todos os judeus. Por exemplo, o historiador judeu do primeiro século, Flavio Josefo, afirma na obra “Antiguidades Judaicas”, produzida entre os anos de 93 e 94 d.C. que os judeus possuíam 22 livros (o mesmo número de livros até hoje no judaísmo), sendo cinco de Moisés, 13 de profetas diversos que escreveram de Moisés até Artaxerxes e 4 com hinos, cânticos e preceitos. São os mesmos livros do AT protestante (que possui 39 porque alguns livros que estão agrupados na Bíblia judaica são contados isoladamente na Bíblia protestante). Nos achados de Qwnram, encontramos todos esses livros também, exceto Ester. Na Septuaginta, a lista também possui esses mesmos livros, embora contenham alguns outros. Ademais, o NT cita ou alude a vários desses livros.
O padrão seguido por Jesus e seus apóstolos provavelmente era o dos fariseus. Desde o século 2 a.C. os fariseus figuravam como a principal facção judaica. A importância das sinagogas na vida religiosa e cultural judaica era, em grande parte, resultado de seus esforços para manter o povo judeu instruído e fiel quanto à Lei. Assim, pela época de Jesus, as Escrituras já haviam se tornado centrais na religião do povo. Por conta das sinagogas e da cultura farisaica, a maioria dos judeus aprendia a ler desde pequeno e memorizar extensos versos da Escritura. Como resultado, os judeus eram um povo altamente alfabetizado, versado na Bíblia (ainda que não no mesmo grau que os mestres e escribas). É daí que vem a prática dos autores do NT de se basearem, citarem e aludirem tanto às Escrituras hebraicas em seus escritos.
Evidência 3: Os escritos do NT foram entendidos como Escritura, preservados e copiados ainda durante a vida dos apóstolos (e sob a chancela deles)
A formação do NT não foi muito diferente da formação do AT. A grande distinção ficou por parte do fator “origem apostólica”. Uma vez que os apóstolos de Jesus eram vistos como seguidores leais de Yahweh e do Messias, os seus escritos (ou os escritos de discípulos por eles assessorados diretamente) eram compreendidos como inspirados pelo Espírito Santo. Assim, desde as primeiras décadas de Igreja, as comunidades plantadas por cada apóstolo preservavam seus escritos e os copiavam, dando a eles posição de autoridade.
Tendo essas primeiras cópias sido feitas ainda na vida de seus autores e, portanto, sob seu aval e monitoramento, quando os últimos apóstolos morreram, os evangelhos, cartas e demais livros que viriam a compor o Novo Testamento já gozavam de grande fama e autoridade entre as igrejas. O próprio NT nos dá indícios desse processo. Pedro, por exemplo, considera Paulo como sendo Escritura tanto quanto a Torá e os Profetas do AT (II Pd 3:16). Paulo indica que a Igreja lia suas cartas nas reuniões públicas e as fazia circular entre as demais igrejas (Cl 4:16; I Ts 5:27). Ele também nos informa que os apóstolos Pedro, Tiago e João impuseram as mãos sobre ele, fazendo-o um legítimo missionário, plantador de igrejas e apóstolo (Gl 2:6-10).

Ora, se os escritos de Paulo já eram vistos pela Igreja e até pelos apóstolos como sendo parte das Escrituras, sem dúvida os escritos dos apóstolos também gozavam da mesma autoridade. Assim, temos um contexto propício para a escrita, conservação, cópia e supervisão dos escritos do NT ainda durante a vida dos apóstolos, o que tornava a formação da nova coletânea bastante segura.
O NT também revela algumas relações interessantes entre autores e apóstolos. Lucas, por exemplo, andava com Paulo (At 16:10-17, 20:5-6, 21:1-18, 27:1-37 e 28:2-15; Cl 4:14; II Tm 4:11; Fl 1:24). Isso torna bastante possível que seus dois livros tenham sido escritos com o conhecimento e a supervisão do apóstolo. Ademais, aparentemente o apóstolo citou o seu evangelho como Escritura em uma de suas cartas (I Tm 5:18; Lc 10:7). Ora, Lucas reconhecia que outros haviam escrito sobre Jesus e que seu evangelho era fruto de pesquisa (Lc 1:1-4). Ou seja, o evangelista provavelmente conhecia um ou mais dos demais evangelhos e talvez algum outro documento que se perdeu. As fortes semelhanças entre os evangelhos sinóticos demonstram que ou os três descendem de uma fonte em comum ou um deles é fonte em comum para os outros dois.
Ao fim do primeiro século, todos os livros do NT já estavam completos e eram muito conhecidos de toda a Igreja. A partir de cartas e comentários dos padres da Igreja do início do segundo século é possível constatar citações de todos os 27 livros, o que indica que eles já estavam consolidados desde o primeiro século. Embora, como no caso do AT em Israel, algumas comunidades cristãs divergissem um pouco quanto a quais livros deveriam compor o cânon do NT, a maior parte dos livros era aceita pela maior parte dos cristãos. Historicamente, os livros do NT que mais geraram controvérsia sobre se deveriam entrar no cânon ou não foram apenas 6 dos 27. Isso significa que a maior parte das Escrituras já estava definida unanimemente ao fim do século I.
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A produção de escritos pelos apóstolos e seus discípulos diretos, sua preservação, sua leitura pública e sua circulação massiva ainda no primeiro século evidenciam que a preocupação da Igreja (incluindo dos próprios apóstolos) de que suas palavras não se perdessem na oralidade. A expansão territorial do evangelho e o envelhecimento dos apóstolos certamente tornaram isso claro para eles. Ademais, eles estavam totalmente imersos na milenar cultura judaica de registrar os grandes fatos espirituais e históricos por escrito. E se não bastasse, uma vez que as Escrituras hebraicas testificavam de Jesus, era natural que a história de Jesus e o início de sua Igreja fechassem o cânon. O cânon não seria completo sem Cristo, o protagonista. Assim, os apóstolos entenderam que a revelação de Jesus Cristo precisava ser reunida às Escrituras hebraicas, tanto para não se perder, quanto para completar o compêndio.
O Apocalipse de João dá o sinal do fechamento ao retomar profecias escatológicas do livro de Daniel, complementando-as, e prever os eventos dos séculos vindouros até o retorno glorioso de Cristo e o fim do pecado. A partir dali, nenhuma outra obra deve ser incluída. A revelação geral está completa.
Evidência 4: Os testemunhos dos apóstolos eram provados pela Escritura
Alguns católicos sustentam que durante o período em que os livros e cartas do NT ainda estavam sendo produzidos, era a tradição que imperava. Assim, não poderia haver Sola Scriptura durante esse período. Mas essa é uma argumentação frágil. Primeiro porque embora o NT não estivesse completo, o AT já estava. Como já demonstrado, Jesus e os apóstolos pregavam totalmente com base no AT. Isso inclui a pregação do evangelho de Cristo. O método apostólico era apresentar os fatos relativos à vida, morte e ressurreição de Jesus e provar como isso cumpria as Escrituras hebraicas. Em suma, os fatos que eles apresentavam eram julgados pelas Escrituras. Isso nada mais é que Sola Scriptura!
Lembremos que Lucas elogia os bereianos porque consultavam as Escrituras para julgar se o que os cristãos estavam dizendo era correto ou não. Sola Scriptura! O principio já existia antes do NT ser completado. O AT cumpria o papel de ser o juiz para toda a fé e prática. Não há como negar este fato aqui.
Além disso, o que os católicos chamam de tradição aqui eram fatos públicos e recentes, conhecidos por milhares de pessoas, incluindo centenas de testemunhas oculares. Era fácil qualquer um julgar o que os apóstolos diziam pela Escritura, no que se referia à validade doutrinária, e por pesquisa contemporânea, no que se referia à veracidade dos relatos contados. Assim, essa tradição era confiável não porque era tradição da Igreja, muito menos porque era antiga, mas sim porque era recente, pública e facilmente verificável. As pessoas, portanto, podiam ser convencidas pelas Escrituras e pela razão, duas coisas que sempre andaram juntas.
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Lutero estava ciente desse casamento entre Escrituras e razão. Diante da Dieta de Worms, em 1521, instigado a se retratar por suas idéias expostas em suas 95 Teses, ele afirmou:
“A menos que eu seja convencido pelas Escrituras e pela razão pura e já que não aceito a autoridade do papa e dos concílios, pois eles se contradizem mutuamente, minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Eu não posso e não vou me retratar de nada, pois não é seguro nem certo ir contra a consciência. Deus me ajude. Amém”.
Considerações Finais
Conforme pudemos ver, há pelos menos quatro linhas de evidência que demonstram a natureza bíblica do conceito de Sola Scriptura: (1) a posição dada à Escritura por Jesus e seus discípulos (acima da tradição e do magistério); (2) o fato de essa postura se iniciar em Moisés e se consolidar antes de Jesus; (3) o fato dos escritos do NT se tornarem Escritura sob o conhecimento e a chancela dos apóstolos (tornando rapidamente a tradição oral dispensável); e (4) o fato de os testemunhos dos apóstolos serem provados pelas Escrituras hebraicas em suas pregações.
Não há evidência de que a tradição e o magistério devam ser tratados como tendo o mesmo peso das Escrituras. Como vimos, a tradição pode freqüentemente envolver erros, devendo ser avaliada de acordo com a Bíblia, em primeiro lugar, e outras evidências. O magistério também pode cometer erros e se desviar da verdade. Isso nos lembra que as Escrituras, conquanto tenham sido produzidas por um magistério (não católico, mas sim judaico, diga-se de passagem), só foram aceitas ao longo do tempo pela coerência com as demais Escrituras anteriores e pela origem por meio de profetas, homens com dons de milagres e pessoas instruídas diretamente por Jesus. Uma vez que não é em todas as épocas que vemos escritos coerentes com a Escritura produzidos por esse tipo de indivíduos, não há motivo para aceitar a infalibilidade doutrinária do magistério. Assim o magistério e a tradição devem ser julgados pela Bíblia.
Deve-se enfatizar ainda que dada a morte de todos os apóstolos e o fechamento de um cânon bíblico com toda a história da redenção e todas as doutrinas fundamentais para um cristão, não parece haver necessidade, nem parece ser sensato aceitar novos livros nas Escrituras. Está claro que as revelações gerais foram dadas e que qualquer outra revelação que apareça não trará nenhuma grande luz doutrinária ou grande revelação que já não esteja esboçada (ainda que sem muito detalhamento) na Bíblia. Assim, é mais sensato distinguir profetas canônicos de extracanônicos, reconhecendo que os extracanônicos podem existir, mas jamais para cumprir as funções de revelação geral que a Bíblia já cumpre.
De fato, a Bíblia menciona diversos profetas que não tiveram escritos inclusos na Bíblia, tais como Débora (Jz 4:4-9); Natã (II Cr 9:29); Elias (II Cr 21:12), Eliseu (II Rs 9:1), Aías (II Cr 9:29); Ido (II Cr 9:29; 12:15; 13:22); Semaías (II Cr 12:15); Jeú (II Cr 20:34); Hulda (II Cr 34:21-28); João Batista (Lc 7:24-30; Mt 11:7-14 e 17:9-13; Mc 11:32); Ana (Lc 2:36-38); Ágabo (At 11:27-30 e 21:10) e as quatro filhas de Filipe (At 21:8-9). Ou seja, há lugar para o dom de profecia mesmo com o cânon fechado, conforme a própria Bíblia indica em passagens como I Ts 5:20-21, II Cr 20:20, I Co 14:1-6, Pv 29:18, Jl 2:28-29, I Co 12 e Ap 19:10.
O que se depreende dessas análises é que a Bíblia foi projetada e inspirada por Deus para criar um registro escrito que servisse como padrão geral e supremo de conduta e conhecimento espiritual. Já os profetas extracanônicos foram sendo usados por Deus ao longo do tempo para comunicar questões menores e mais específicas, mantendo uma função e uma importância subsidiárias às Escrituras (jamais no mesmo nível e jamais funcionando como complemento à revelação geral). Sua obra, portanto, não consiste em revelar novas doutrinas ou questões espirituais básicas, mas em guiar, exortar e disciplinar pessoas e grupos específicos; aplicar os princípios gerais da Bíblia nas questões de sua época; instigar o retorno às Escrituras; enfatizar verdades gerais esquecidas; etc. Nada muito diferente de pastores – em suma, um magistério. Assim, tanto pastores como profetas extracanônicos devem ser igualmente provados pelas Escrituras e postos em posição subsidiária. A Escritura é suficiente como revelação geral e norma absoluta acima de qualquer pessoa ou tradição.

Finalmente, a Escritura deve ser estudada a partir de regras básicas de interpretação, tais como a análise do contexto das passagens, dos livros, de toda a Bíblia (em relação ao assunto analisado), do estilo literário, do contexto histórico, cultural e geográfico, do contexto do idioma original, etc. A verdade está não naquilo que queremos que a Bíblia diga, mas naquilo que seus autores realmente intentaram dizer. E isso se descobre através da análise geral dos contextos. A interpretação é uma ciência lógica e objetiva, devendo ser praticada com as ferramentas e princípios fundamentais. Só assim a ideia de que a Bíblia interpreta a si mesma pode funcionar. E só assim o princípio da Sola Scriptura permanece bíblico. Do contrário, o que temos é apenas um arremedo do que é realmente o conceito.

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