Mais de 1,2 mil professores da rede estadual estão na fila pra se aposentar - Se Liga na Informação





Mais de 1,2 mil professores da rede estadual estão na fila pra se aposentar

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Alguns chegam a esperar mais de dois anos. Quem consegue em menos tempo comemora


A professora Ana Maria Macedo se considera sortuda em relação a outros colegas: se aposentou em abril, depois de oito anos de espera (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)
É uma espera que parece não ter fim. A professora Rosimary Lopes, 60, poderia estar aposentada há pelo menos um ano e três meses – foi quando deu entrada no pedido junto à Secretaria da Educação do Estado (SEC). Em janeiro, foi a última vez que o processo se moveu – parou na chamada Coordenação de Afastamento Definitivo, mas, de lá para cá, parece inerte. 
“Eles justificaram que eu tinha feito um curso online do governo para mudar de classificação e estavam só esperando a validação desse curso. Me perdoe a palavra, mas acho isso uma tremenda sacanagem do governo. Eu já poderia estar aposentada, mas o governo acaba lucrando por não ter que contratar ninguém para o lugar”, desabafa pró Rose, que ensinou Língua Portuguesa por 35 anos na rede estadual em Feira de Santana, no Centro-Norte do estado. 
‘Ensinou’ porque, este ano, prevendo que a aposentadoria poderia vir a qualquer momento, pediu para ministrar disciplinas ‘diversificadas’ – como Artes, Meio Ambiente e Ética e Cidadania. “Pedi isso para não causar tanto prejuízo aos alunos, porque, se minha aposentadoria saísse, daqui que o governo colocasse alguém no lugar poderia demorar dois, três meses”. 
O processo de Rosimary é um dos 1.227 pedidos de aposentadoria de professores que estão em análise pela SEC. Mas a fila, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado (APLB-Sindicato), é muito maior: passaria de seis mil profissionais. 
Historicamente, o tempo para um professor conseguir uma aposentadoria na rede estadual podia variar de dois até quatro anos, de acordo com o coordenador-geral da APLB-Sindicato, Rui Oliveira. Este ano, um pleito dos professores foi atendido pela Assembleia Legislativa da Bahia (Alba): uma lei para que o prazo para que a aposentadoria seja concedida seja de até 120 dias desde a entrada do pedido. 
“Sentamos com o governo e, este ano, o secretário Walter Pinheiro (titular da SEC) anunciou que a aposentadoria vai ser por semestre. Ou seja, se o professor der entrada em março, ele trabalha até o mês de junho, por exemplo. Mas ainda faltam o secretário e o governador (Rui Costa) regulamentarem isso”,diz Rui Oliveira. 
Ele critica, inclusive, a contratação através de Reda (concursos temporários). “Reda não garante direitos trabalhistas. É uma indignação”. O último concurso para a SEC foi realizado em fevereiro desde ano e abriu a seleção para mais de três mil vagas, entre professores e coordenadores pedagógicos. No entanto, esses professores ainda não foram convocados. 
Em nota enviada ao CORREIO, a Secretaria de Administração do Estado (Saeb) informou que, entre janeiro e maio deste ano, concedeu 3.452 aposentadorias para servidores – desse total, 1.374 foram para professores. Segundo a Saeb, a Superintendência de Previdência (Suprev) analisa e julga um processo de aposentadoria em 20 dias. 
Em todo o ano de 2017, foram concedidas 6.807 aposentadorias, sendo 2.895 para professores. O total de aposentadorias, de acordo com a Saeb, leva a uma projeção de R$ 4,05 bilhões de déficit previdenciário para este ano – 20% a mais que no ano passado, quando foi de R$ 3,37 bilhões. 
“O aumento de aposentadorias impacta diretamente no déficit da previdência e exige do governo esforço para manter o equilíbrio de suas contas e honrar os seus compromissos. Inclusive, a gestão atual vem empenhando esforços para continuar pagando aos servidores estaduais (ativos e inativos) em dia e dentro do próprio mês”, dizem, na nota. 
A SEC informou que montou uma força-tarefa para agilizar os processos de aposentadoria dos professores e profissionais da Educação junto com a Saeb. "Além do esforço para a redução do passivo de pedidos de aposentadoria, o governo estadual também oferece incentivos aos servidores em condição de se aposentar que tenham interesse em se manter em atividade. É o caso da Bolsa de Estímulo à Permanência em Atividade de Classe. Criada em dezembro de 2016, por meio da Lei Estadual 13.595, a bolsa prevê o pagamento de benefícios de R$ 800 a R$ 1.600 para os professores que desejarem permanecer em sala de aula mesmo após atingirem os pré-requisitos para aposentadoria", dizem, em nota. 
O órgão não respondeu as demais perguntas feitas pelo CORREIO. 
Desgaste em sala
A professora Rosimary, na verdade, poderia ter se aposentado bem antes – completou 50 anos e 25 anos de rede na mesma ocasião. No entanto, naquela época, trabalhava em regime de 20 horas semanais, por questões familiares. Decidiu pedir a mudança de regime para 40h, mas essa mudança demorou para vir. 

Só veio mais de quatro anos depois, quando ela já estava prestes a desistir e pedir a aposentadoria assim mesmo. “Quando foi publicado, tive que ficar cinco anos ininterruptos trabalhando para enquadrar essas 20 horas. Só depois é que pude pedir de fato”, explica. 
Ela diz que não se sente desgastada pela idade – pelo contrário. O cansaço é mesmo devido à quantidade de anos trabalhando e pelo que encontra em sala, que nem sempre são alunos comprometidos e dispostos a estudar. Sem ajuda nem mesmo dos pais dos estudantes para mudar alguns comportamentos dos alunos, ela se viu desestimulada. 
“Estamos remando numa maré muito brava e estamos sozinhos, porque pouquíssimas são as famílias que conseguem nos apoiar e serem presentes em sala de aula. Tenho muita pena dessa juventude que esta aí sozinha e, de certa forma, acaba se perdendo. Essa geração é uma geração que não tem tanta responsabilidade”, opina a professora. 
Foram incontáveis situações de agressão verbal. Ela diz que, no fim, essas coisas acabam com a resistência do professor. Praticamente se acostumou a escutar palavrões e ‘linguagem chula’, mas as agressões eram o pior. “Aí, vai juntando tudo isso aos anos de serviço, ao descaso com a educação... Na mídia, é tudo lindo, mas vai para a sala de aula enfrentar 35, 40 alunos com idade distorcida. Eles te desafiam não no sentido de perguntar sobre o assunto, mas desafio da falta de respeito, xingamento, de querer impor lei na sala”. 
Em sala
No fim, ninguém fica feliz. Na sala de aula, nem todos os professores são como Rosimary. Segundo estudantes, há profissionais que parecem ter se rendido. Aluna do 2º ano do Ensino Médio no Centro Estadual de Educação Profissional (antigo Iceia), Amanda Cristina, 16, conta o caso de uma professora. Prestes a se aposentar, a docente é tida, pelos alunos, como alguém que não tem muito traquejo pedagógico – ou, no mínimo, que já não tem tanta paciência. 

“Ela só passa trabalho valendo 10. Parece que não sente mais vontade de dar aula. E são trabalhos que você entrega não sei quantos meses depois. Tem dias que nem vou na aula”, revela. Com isso, ela se preocupa com os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), já que quer cursar Direito. 
A situação é parecida com a de outra aluna do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Odorico Tavares. A adolescente diz que uma professora de Língua Estrangeira também tem uma atitude como essa. “Ela não explica nada pela segunda vez, se estressa por tudo. Se você chamar pelo nome, ela joga a cadeira para o lado. Quer ser chamada de ‘Miss’ (senhorita, em inglês) e o sobrenome. É uma senhorinha de idade já, parece cansada”, explica. 
Já o estudante Thiago Queiroz, 16, também do 2º ano do Odorico Tavares, cita outro professor e outra professora. Perto da aposentadoria também, ele acredita que os dois não têm a mesma paciência com os alunos.
“Eles já são bem idosos. Um deles chega a discutir com aluno, porque entendem que aula é como era antigamente, mas as coisas mudaram. Acho que até mesmo pela idade eles não têm tanto a mente aberta”. 
O estudante Luiz Henrique Pita, 17, do 2º ano do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes, diz que a falta de professor devido à saída de aposentados é frequente. No entanto, os alunos não ficam sem aula – sempre há estagiários dos cursos de licenciatura que cumprem o requisito. “Eles (os estagiários) ensinam melhor do que alguns professores, na verdade. Parece que se sentem mais à vontade, com mais ânimo. Explicam melhor”. 
Mas essa não é a regra. Outros professores, mesmo depois de encarar as dificuldades das salas de aula por anos, conseguem captar bem a atenção dos alunos. É o caso de uma professora de Biologia elogiada pelo estudante Edson Pereira, 17, do 3º ano do mesmo colégio.
“Ela consegue explicar Biologia de uma forma diferente. Faz a gente entender”, diz o estudante Edson, sobre a professora que, mesmo perto de se aposentar, consegue buscar energia. 
É o mesmo caso das estudantes Maria Luiza Alves, 14, e Caroline Simões, 14, ambas do 1º ano do Manoel Novaes. As duas citam professoras de Biologia e História que já comentaram que estão prestes a se aposentar, mas que são elogiadas pela metodologia. “A de Biologia até que tem um pouco mais dificuldade de controlar a turma, mas porque os alunos não colaboram. Mesmo assim, ela tem toda a paciência para ensinar”, dizem. 
Elas conseguiram
Em abril, a professora Ana Maria Macêdo, 50, ganhou uma surpresa. Era uma festa de despedida, organizada por alunos, colegas e funcionários de uma das escolas onde trabalhou por quase três décadas, a Escola Estadual Santo Antônio, em Feira de Santana. Querida entre eles, ela tinha, finalmente, se aposentado do trabalho na rede estadual. 


(Foto: Reprodução/Acervo pessoal)
Quatro meses antes, em janeiro, já tinha conseguido a aposentadoria na rede municipal da cidade. Ana estava feliz – tinha feito o pedido da aposentadoria em agosto do ano passado, pouco depois de completar 50 anos. Por mais que tivesse demorado oito meses, ela acredita que era algo a se comemorar. Muitos colegas na mesma condição chegam a esperar dois, três anos. 
Ana Maria se considera uma sortuda. “Eu já tinha tempo de serviço, porque tinha trabalhado 27 anos no estado. Estava só esperando chegar a idade mínima”, explica ela, formada em Letras com Inglês pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). Trabalhou a vida inteira com o ensino de Língua Portuguesa e de Redação, passando por turmas que iam da pré-escola ao Ensino Médio. 
Mas, depois de duas pós-graduações e tantas horas em sala de aula – eram 60 por semana –, ela sentia que precisava parar. Professoras, como ela, podem se aposentar quando completam 25 anos de tempo de serviço – para os homens, esse tempo mínimo é de 30 anos. Além disso, é preciso que as mulheres tenham pelo menos 50 anos. Os homens precisam ter 55. 
“Na verdade, alegria com aluno eu ainda tenho, a alegria de ensinar. O contexto da escola eu ainda aprecio mas, com relação a algumas atividades burocrática, eu já estava me sentindo desgastada de ter que atualizar diários, por exemplo. Estava ficando muito cansada”,lembra a professora Ana Maria. 
Decidiu, então, encerrar o ciclo como educadora e experimentar uma coisa nova. Vai fazer um curso de designer de interiores para, quem sabe, trabalhar com a filha mais velha, que é arquiteta. Diz que o objetivo não é enricar: quer se manter ativa. 
Trabalhou por 60 horas semanais já prevendo que, após a aposentadoria, as coisas não seriam fáceis. Os reajustes para aposentados são pequenos. Em 2018, foi o menor desde o início do Real – apenas 1,88%. “O salário fica muito defasado. É uma jornada cansativa, mas quem tem regime de 20h, depois de um tempo, é como se tivesse trabalhado por salário mínimo. Quem trabalhou 40h semanais, depois de alguns anos, vai ser como se tivesse trabalhado 20h”.
A professora Cordélia Silva, 60, também teve que esperar completar a idade mínima, mesmo já tendo tempo de serviço. Mesmo assim, quando deu entrada no pedido, há dez anos, sentiu que as coisas ficaram paradas. Em dez meses e 20 dias de espera, não tinha tido nenhuma resposta. Decidiu, então, sair de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo, onde mora, e vir a Salvador acompanhar a situação. 
Na sede da SEC, encontrou o assessor de um deputado que se prontificou a ajudá-la. Esse cidadão pegou o número do processo e conseguiu agilizar. Três dias depois, o processo da aposentadoria dela foi assinado e publicado. “Se não fosse assim, se não fosse essa pessoa, não sei quanto tempo levaria. Tive colegas que deram entrada primeiro e só foram sair três, quatro meses depois”. 
Formada em Letras com Inglês, dava aulas de língua estrangeira, mas também passou por disciplinas como Educação Artística, Português e História para alunos do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano). “Só não peguei Matemática. O resto, dei aula de tudo. Mas o problema é que a gente se animava tanto, preparava uma aula e se frustrava por chegar lá e não conseguir fazer nada do que tinha planejado”, lembra. 
Para ela, a “indisciplina” dos alunos foi um dos principais motivos para que se desencantasse, nos últimos anos da carreira. Quatro anos antes de se aposentar, levou uma pedrada no olho enquanto dava aula de recuperação. A pedra foi jogada por um aluno que não estava na sala, mas estava revoltado por ter ficado de recuperação. 
Ela tomou pontos e seguiu em frente. Lembra que passava boa parte da aula pedindo que os alunos prestassem atenção.
“Era uma perda de tempo (ficar chamando atenção). E dava uma certa triste ver alunos bons, que queriam estudar, ao lado de alunos que vinham da Casa do Menor (as atuais Comunidades de Atendimento Socioeducativas). Eles tinham que ser reintegrados, mas amedrontavam os alunos, ameaçavam, tomavam material de estudantes que estavam escrevendo. Por isso, foi muito desejada a minha aposentadoria”,conta a professora Cordélia. 
Aposentada como coordenadora pedagógica da rede estadual desde 2000, a diretora do Sindicato Nacional de Aposentados e Idosos (Sindinapi) Nilzete Ramos, 78, considera que não teve muitos problemas para conseguir se aposentar. No entanto, ela teve que esperar dois anos – como nunca tinha tirado licença-prêmio, em 38 anos de trabalho, ficou dois anos de licença. Depois, veio a aposentadoria. 
Ela já era aposentada como professora pelo Serviço Social da Indústria (Sesi). Por essa pensão, recebe o reajuste anual do INSS – 1,75% este ano. Na pensão do estado, não houve reajuste esse ano. “Eu moro sozinha e tenho minha casa, mas criei um sobrinho. Para sobreviver, eu tenho essas duas fontes e dá para me sustentar. Se eu não tivesse isso, não dava”. 
Escola deve acolher professores, dizem especialistas 
O problema, para a psicopedagoga Gleide Moreira, conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia na Bahia, é que, como muitos dos professores antigos já se sentem cansados, acabam não se reciclando. Muitos não conseguem acompanhar a renovação das demandas dos estudantes. 

“De alguma maneira, sobra para os meninos, que não têm nada a ver com a história. As crianças precisam de um olhar mais especial, mais sensível e, muitas vezes, não têm isso. Estou vivendo uma situação muito parecida com atendidos tanto na escola pública quanto na escola particular. A justificativa da direção para o não atendimento do professor a uma criança disléxica é de que a professora já está perto de se aposentar, que já está cansada. Então, a criança que espere o ano que vem”, diz. 
Ela reforça, no entanto, que esses professores devem ser acolhidos – especialmente pela direção das escolas. Segundo Gleide, é importante que a própria instituição encontra formas de ajudar esses profissionais, que pode incluir o oferecimento de cursos e oficinas até reuniões com psicopedagogos da própria instituição. 
“Existe uma demanda hoje que, antes, não era vista, ou que era vista com outro olhar. Hoje, é preciso ter um olhar mais sensível para um aluno disléxico, um aluno com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), fora as próprias individualidades de cada criança. A gente não pode crucificar esses professores. Tem que acolhê-los”. 
Esse tema, porém, é ainda mais complexo, como aponta a doutora em Educação Rosemary Lapa, professora do curso de Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). E pior: é uma situação que está diretamente ligada à desvalorização dos professores e da docência pela própria sociedade.  
Por isso, muitos profissionais se desiludem mesmo. Perdem o encanto.
“É uma falta de respeito social mesmo, não apenas dentro da sala de aula. Até porque, na sala de aula, você acaba seduzindo os alunos, mas, de forma geral, é uma profissão desvalorizada e descuidada no Brasil”. 
Ela destaca que, no entanto, há muitos que estão perto de se aposentar mas que ainda têm muito a oferecer pela educação. Ao mesmo tempo, parte dos novos profissionais que têm saído das universidades começa a ensinar com uma formação defasada. Por isso, há um esforço nas universidades para rever currículos – mas esse não é um processo rápido, nem fácil. 
“Isso poderia ser superado através de um processo como a residência docente, que é um projeto do governo federal que as universidades estão tentando implantar, para que os recém-formados que entrarem na rede fiquem assessorados por esses professores seniores. Em Portugal se faz assim, na Finlândia se faz assim. Em poucos lugares é que se faz como o Brasil, que o sujeito, antes de se formar, já está na sala”.
A residência docente faz parte da Política Nacional de Formação de Professores, lançada pelo Ministério da Educação (MEC) no ano passado. Em todo o país, serão 80 mil vagas para o programa, no qual os estudantes podem participar de uma imersão em escolas credenciadas, a partir da segunda metade do curso. Há bolsas para os alunos, para o coordenador e o professor da universidade, além do professor da escola de educação básica que acompanhará os residentes.

Fonte: Correio

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