O Brasil como nunca funcionou e a urgente ação da igreja - Se Liga na Informação





O Brasil como nunca funcionou e a urgente ação da igreja

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A resposta ao “gemido” da sociedade é o mesmo, o evangelho


Costumo dizer que “o Brasil é um país feito para não funcionar”, e posso assegurar-lhe, prezado(a) leitor(a), que tal pensamento não advém de mero pessimismo, mas de um realismo minimamente crítico. O Brasil é feito para não funcionar por diversos motivos. Contudo, poucos são mais notórios do que a burocracia. Esta é uma palavra, cuja etimologia provém do francês (de bereau, ou escritório) e do grego (de kratos, ou governo, regra, poder). Assim, é o poder do escritório aquilo que rege os processos no Brasil; e é justamente este poder burocrático, que se manifesta em processos complicados, formais, ineficientes, que potencializam os erros e ainda dificultam o rastreio de falhas. Assim, no dia a dia, a sensação é a de que no Brasil nada funciona.
Há algum tempo, estive na Receita Federal para resolver uma questão burocrática da pessoa jurídica da igreja que pastoreio. Antes de ser atendido, vi em outra fila um senhor de aproximadamente 75 anos. Ele fora tirar dúvidas relativas a alguma documentação. Percebia-se que o mesmo era um homem simples, do campo, com pouca experiência na cidade grande. Qual não foi minha surpresa ao ouvir uma jovem mulher encarregada de dar o primeiro atendimento aos cidadãos, repetidamente dizer ao senhor, aumentando a voz: “Procure na Internet! Procure na Internet”. É claro que o senhor não sabia de jeito nenhum o que era Internet, muito menos procurar ele mesmo alguma coisa lá. Saiu mais atordoado do que quando entrou.
Lembro-me da análise do sociólogo alemão Max Weber sobre a burocracia. Uma das teses de Weber era a de que em um regime burocrático, o funcionário público de um modo geral desconecta-se da realidade. Os processos formais permeiam com tal intensidade tudo a que se propõe o governo, que seus funcionários, grosso modo, não conseguem mais distinguir o real do ideal. É exatamente por isso que, ao falar com um funcionário do estado sobre como proceder para a emissão da segunda via da Carteira de Motorista, uma vez que tal documento só se tira nos postos do “Expresso Cidadão” do governo do estado, e é necessário que se agende na Internet, o funcionário nada soube responder, quando lhe disse que o site simplesmente não funcionava. Ele não sabia o que fazer ou dizer, pois idealmente o processo estava claro: se é segunda via, então é na Internet.
Mas, realmente não estava funcionando, posto que o site estava com problemas. Então, o que fazer? Seria mais fácil explicar àquele funcionário a equação de Einstein da equivalência entre Massa e Energia (E = MC2), do que ele ter uma solução de contingência a algo que é muito simples: a probabilidade (alta) de que, pelo uso de milhares de pessoas diariamente, um site na Internet pare de funcionar! Mas não pense que aquele funcionário era a exceção. Ele é a regra!!
Este tipo de modus operandi disfuncional em que vivemos, autofágico (que “devora” e destrói a si próprio, de tão tosco e ineficiente) é justamente estrutura esta nação. A burocracia não é mantida neste país por uma questão de eficiência, é claro, mas justamente o contrário: quanto mais elaborado um processo qualquer no Brasil, mais difícil se torna rastrear os erros cometidos, propositais ou não. Por que a prática devora a si mesma? Por que ela é, sob todas as formas, a própria essência daquilo que se pretende erradicar!! Nenhum governo burocrático e ineficiente vai admitir que quaisquer de seus processos seja falho, abra brechas para a corrupção, seja ineficiente e atrasado. Com isso se percebe que a prática autofágica de um governo que mantém propositalmente um sistema que devora a própria nação não é fruto de mera incompetência, mas da mais absoluta má fé.
É exatamente a isso que se reduziu nossa nação: um amontoado de má fé! É má fé na administração pública em todos os níveis, do municipal ao federal. A burocracia que impede a agilidade de licitações para aquisição de materiais necessários para a saúde e segurança, por exemplo, é a mesma que facilita práticas que burlam a própria burocracia. É um sistema que existe para ser burlado através das negociatas que são denunciadas, desmanteladas, apenas para surgirem posteriormente, muito mais sofisticadas e mais irrastreáveis.
Como é algo crônico e pandêmico em nossa nação, até os críticos de toda a burocracia brasileira têm receio de se posicionarem abertamente contra os que pregam uma maior presença do Estado no dia a dia da vida pública, pois o próprio povo parece estar acostumado, conformado a viver sob um sistema que o esmaga dia a dia. É, portanto, o cenário perfeito para a prática do compadrio, dos favores ilícitos, da propinagem e um afastamento cada vez maior entre os que fazem o funcionalismo público e o público em si.
Neste aspecto, o papel efetivo da Igreja não deveria ser o de mera repercussão de um “grito” ou um “gemido” populacional, que realmente iniciou-se inexpressivo historicamente, mas que atualmente assombra o país e se revela como uma eficiente arma contra tudo o que aí está. Graças a Deus! A Igreja deve se mostrar uma agência efetivamente espiritual, que procura conscientizar as pessoas!! Assim, estaria cumprindo seu papel de discipuladora, uma vez que durante o processo de aproximação intelectual de instituições seculares, seu intuito claro seria o de repassar mais detalhes concretos da moral cristã, com o claro objetivo de que a prática resultante dessa moral reverberasse por toda a sociedade.
É desta forma – e não vejo como seria em outra -, que os cristãos, como bons discípulos de Cristo Jesus, mostrariam efetiva e eficazmente a importância da moral cristã, levando às pessoas, como consequência natural daquela ação, a própria mensagem de graça e salvação do cristianismo. Em última palavra: a resposta ao “gemido” da sociedade é o mesmo, o evangelho, mas precisamos saber em que CONTEXTO nos encontramos e QUAIS OS MODOS PELOS QUAIS PODEMOS ALCANÇAR com eficácia o mundo secular.
Contudo, o que temos visto? Uma espécie de absorção, por parte da Igreja, de valores, preceitos, práticas, tendências, desse mundo. Um país burocrático como o nosso, aparelhado ideologicamente pela esquerda e cuja elite “intelectual” e cultural é fortemente anticonservadora,, é feito realmente para não funcionar. O populismo político, que esta elite defende, produz, além da perpetuidade da ineficiência dos serviços públicos, uma política de “esmolas” e assistencialismo ineficiente, que gera apenas cidadãos dependentes, além de um seguro canal de desvio de dinheiro público.
Disse, certa vez em uma aula, que o ideal não era pintarmos, eletrificarmos ou pavimentarmos favelas, mas as eliminarmos, ou seja, criarmos meios para que não mais houvesse favelas, e incrivelmente algumas pessoas simplesmente não compreenderam. A burocracia assistencialista em que estamos inseridos era neles algo tão forte, que não imaginaram que o que dizia era não o óbvio e absolutamente urgente. Veja, prezado(a) leitor(a): simplesmente não se conseguia entender que o problema maior não é a falta de postos de saúde ou de pavimentação numa favela, mas a favela em si, que por mais embonecada que seja, ainda é uma favela!!
O trabalho que temos adiante, após este período eleitoral, que para mim terá sido histórico e único no contexto latino-americano, será árduo e necessitará de uma ação contínua por parte dos que estiverem atuando nas mais altas esferas de poder. Concomitantemente, a Igreja precisa se unir e fazer o necessário: boicotar vozes internas que lutam pelo contrário (como pastores e líderes que querem que esse assistencialismo burocrático e o status quo presentes continuem, por pura ignorância e alienação histórica, ou por interesses próprios, ocultos sob a capa de “valores e interesses cristãos”).

A Igreja precisará também reformar suas próprias bases educacionais, investindo em um sólido preparo bíblico-teológica, a fim de preparar uma geração nova para as demandas atuais e as que surgirão mais adiante. Precisa se posicionar de modo claro politicamente, parar de “fugir” de sua responsabilidade cultural e histórica, além de sua precípua tarefa espiritual. Fazendo a parte que lhe compete e auxiliando as forças públicas seculares a fazerem a delas, estaremos, como Igreja, exercendo de mais completamente o papel que nos é devido. Em uma sociedade burocraticamente disfuncional, que esmaga sua própria população através de processos complicados e ações inúteis, nada mais urgente para a Igreja do que ser absolutamente útil.
Artur Eduardo

Graduado em Teologia e Filosofia. Pós graduado em Doc. do Ensino Superior, Teologia Bíblica e Psicopedagogia (FATIN). Mestre em Filosofia (Univ. Federal de Pernambuco). Doutorando em Filosofia (Univ. Federal de Pernambuco). Diretor do IALTH (Inst. Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades). Pastor da IEVCA (Igreja Ev. Aliança). Casado com Patrícia, com quem tem uma filha, Daniella.

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