VIDA CRISTÃ: Os estágios da fé segundo James W. Fowler: uma análise - Se Liga na Informação





VIDA CRISTÃ: Os estágios da fé segundo James W. Fowler: uma análise

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Por Cristiano Nickel
1. FÉ HUMANA
Segundo Fowler, a fé não é sempre religiosa em seu conteúdo e contexto. É o modo que uma pessoa ou um grupo penetra no campo de força da vida. É o nosso modo de achar coerência nas múltiplas forças e relações que constituem a nossa vida e de dar sentido a elas. A fé é o modo pelo qual uma pessoa vê a si mesma em relação aos outros, sobre um pano de fundo de significados e propósitos partilhados (FOWLER, 1992, p. 15).
Paul Tillich define que os valores divinos em nossa vida são aquelas coisas que nos tocam incondicionalmente. Nossa real adoração, nossa verdadeira devoção dirige-se aos objetos de nossa preocupação última. Essa preocupação última pode centralizar-se em nosso próprio ego ou suas extensões – trabalho, prestígio e reconhecimento, poder, influência, riquezas, etc. A preocupação última é um assunto muito mais poderoso do que a crença que se alega ter em um credo ou conjunto de proposições doutrinárias (FOWLER, 1992, p. 16).
A fé tem a ver com o jeito pelo qual fazemos as apostas de nossa vida. Ela modela as formas em que investimos nossos amores mais profundos e nossas lealdades. Niebuhr apresenta a fé humana como forma em nossos primeiros relacionamentos com aqueles que cuidam de nós na infância. Ela cresce através de nossa experiência de confiança e fidelidade – e de desconfiança e de traição – com as pessoas mais chegadas através de valores comuns que mantém juntos os grupos humanos. A fé consiste na busca da confiança abrangente, integradora e fundamental em um centro de valor e poder suficientemente valioso para dar unidade e sentido à nossa vida (FOWLER, 1992, p. 16). Antes de sermos religiosos ou irreligiosos, católicos ou protestantes, já estamos engajados em questões de fé. Estamos preocupados com a as formas pelas quais ordenamos a nossa vida e com o que torna a vida digna de ser vivida (FOWLER, 1992).
2. FÉ, RELIGIÃO E CRENÇA
Para Fowler a fé vem das “tradições cumulativas” – expressões da fé das pessoas no passado. Pode ser constituída por textos de escrituras ou leis, incluindo narrativas, mitos, profecias, relatos de revelações, símbolos visuais, ensinamentos éticos, teologias, credos etc. É a maneira pela qual um pessoa um grupo responde ao valor e poder transcendentes, conforme são percebidos e apreendidos através das formas da tradição cumulativa. A tradição cumulativa é renovada seletivamente à medida que seus conceitos provam ser capazes de evocar e modelar a fé de novas gerações (FOWLER, 1992, p. 20).
3. FÉ E RELACIONAMENTO
Na língua portuguesa não há uma forma verbal para a palavra fé. Essa mudança se dá através de outros verbos, p.e., eu confio, coloco meu coração em, etc. A fé é sempre relacional, sempre há um outro na fé. Nossas primeiras experiências de fé e fidelidade começam com o nascimento. Somos recebidos e acolhidos com algum grau de fidelidade por aqueles que cuidarão de nós. Pela consistência em suprir nossas necessidades, por nos criarem um espaço valioso em suas vidas, aqueles que nos recebem providenciam uma experiência inicial de lealdade e confiabilidade (FOWLER, 1992).
Na interação entre pais e filhos não só começa a se desenvolver um vínculo de confiança e lealdade mútuas, mas a criança – a despeito de o fazer em um nível muito básico – sente o novo e estranho ambiente como um ambiente que é ou confiável e providente, ou arbitrário e negligente (FOWLER, 1992, p. 20). Os pais trazem o seu jeito de ver o mundo estar nele. Trazem suas confianças, lealdades, infidelidades a outras pessoas e às causas, instituições e centros transcendentes de valor e poder que constituem o sentido de suas vidas. (FOWLER, 1992, p. 21)
O amor, a vinculação e a dependência ligam o recém-nascido à família, ele começa a formar uma disposição de confiança compartilhadas ao e através do etos da fé familiar.

CCVP – centro compartilhado de valor e poder da família | E – eu | O – outro

A tríade acima apresenta um fluxo bidirecional entre o eu os outros – amor, confiança e lealdade mútuas que tornam possível a identidade. A fé é um empreendimento relacional, triádico ou pactual em seu formato. Não nos comprometemos como “colocarmos nosso coração em” pessoas, causas, instituições ou “deuses” por “devemos” fazê-lo. Nós nos investimos ou nos devotamos porque o outro com o qual nos comprometemos tem, para nós, uma excelência ou valor intrínseco e porque ele promete nos conferir valor (FOWLER, 1992). A fé são as formas desenvolvidas e em desenvolvimento de as pessoas experienciarem a si mesmas, os outros e o mundo (da forma como elas os constroem) enquanto relacionados com e afetados pelas condições últimas da existência (da forma como elas as constroem)  e de moldar os propósitos e significados, as confianças e lealdades de suas vidas, à luz do caráter do ser, valor e poder que determina as condições últimas da existência (conforme captadas em suas imagens operativas – conscientes e inconscientes – dessas condições) (FOWLER, 1992, p. 83).
Em cada um dos papeis que desempenhamos, em cada relacionamento significativo que temos com outros, em cada instituição de que fazemos parte, estamos ligados a outros em confianças e lealdades partilhadas para com centros de valor e poder. (FOWLER, 1992, p. 27). Em cada um desses contextos servimos a algo comum, mantemos significados partilhados, relembramos estórias comuns, celebramos e renovamos esperanças em comum. Nossa identidade e nossa fé devem reunir diversos papeis, contextos e significados em uma unidade integrada e operacional (FOWLER, 1992, p. 27).
3.1 Primeiro padrão de fé: o politeísmo
Para o politeísta, nem mesmo o eu – o mito pessoal do próprio valor e destino da pessoa – pode fazer uma reivindicação suficientemente compulsória para unificar as lutas e esperanças da pessoa. O politeísta tem “interesses” em muitos pequenos centros de valor e poder. O politeísta é um homem proteico[1] –- as pessoas proteicas fazem um série de investidas relativamente intensas ou totais de identidade e fé, mas seus comprometimentos mostram ser transitórios e mutáveis. Assim, passam de uma tríade fé-relacionamento para outra, frequentemente com agudas descontinuidades e com abruptas mudanças de direção (FOWLER, 1992, p. 28).
Os politeístas que vivem um padrão difuso de fé e identidade – essas pessoas nunca carregam toda a sua paixão para qualquer relacionamento ou compromisso com determinado valor. Elas tendem a preservar uma espécie de provisionalidade fria e descomprometida a respeito de compromissos e confiança (FOWLER, 1992, p. 28).
Fowler afirma que maioria de nós é mais politeísta do que gostaria de imaginar. O impacto prático do mito que deseja, possuir tudo o que quiser e se relacionar intimamente com qualquer pessoa que seja do seu agrado – é fazer com o que padrão politeísta, seja em sua forma difusa ou proteica, pareça normativo (FOWLER, 1992, p. 28).
3.2. Segundo padrão de fé: o henoteísmo
Henoteísmo é a confiança e lealdade a um só deus. Max Müller define henoteísmo como fé em um deus, como a divindade da família ou tribo individual, sem afirmar que ele seja o único deus. É um padrão de fé e identidade no qual uma pessoa investe profundamente em um centro de valor transcendente de valor e poder, achando nele uma unidade focal de personalidade e perspectiva; todavia, esse centro é inapropriado, falso, não é algo que toque incondicionalmente. O deus henoteísta é, em última análise, um ídolo (FOWLER, 1992, p. 29).
Para Fowler, o henoteísmo representa a elevação de um bem finito e limitado à condição de valor e poder central, que define a vida da pessoa. Significa a atribuição de preocupação última a algo cujo valor é menor do que último. O henoteísmo causa sui, finalmente, termina com a nossa adoração diante do altar no qual está sentada a imagem palidamente sorridente e garantias do eu como centro. Sucesso, poder, prestígio, riqueza, fama e coisas semelhantes não são fins em si mesmos. Servem, antes, como garantidores do valor e significância do ego (FOWLER, 1992, p. 29)
3.3 – Terceiro padrão de fé – monoteísmo radical
Tipo de relação fé-identidade no qual uma pessoa ou grupo coloca confiança e lealdade supremas em um centro transcendente de valor e poder, que não é nem uma extensão do consciente ou inconsciente do ego pessoal ou grupal, nem uma causa ou instituição finita (FOWLER, 1992, p. 30).
Esse monoteísmo implica lealdade ao princípio do ser e à fonte e centro de todo valor e poder. Este centro transcendente de valor e poder tem sido simbolizado ou conceituado, tanto em formas teístas como não-teístas, nas principais tradições religiosas no mundo. Na fé monoteísta radical as pessoas ligam-se às outras em confiança e lealdade – umas às outras e a um centro inclusivo de valor e poder. Pode-se afirmar que a fé monoteísta radical convoca as pessoas a uma identificação como uma comunidade universal (FOWLER, 1992, p. 30).
4. A FÉ COMO IMAGINAÇÃO
A fé forma uma maneira de ver a vida diária em relação a imagens holísticas daquilo que podemos chamar de o ambiente último. A ação humana implica respostas e iniciativas. Moldamos a nossa ação em conformidade com o que vemos estar acontecendo. Procuramos adequar as nossas ações, ou opô-las, a padrões mais amplos de ação e sentido (FOWLER, 1992, p. 32).
Para Fowler, a fé aos nos vincular a centros de valor e poder e aos nos unir de modo triádico a comunidades de lealdades e confianças compartilhadas, dá forma e conteúdo à nossa imaginação de um ambiente último. Somos homo poeta – vivemos por sentido. Desde o início de nossa vida, somos confrontados com desafio de achar ou compor algum tipo de ordem, unidade e coerência nos campos de força de nossa vida (FOWLER, 1992, P. 32).
A fé é a maneira de discernir e comprometer com centros de valor e poder que exercem força ordenadora em nossa vida. A fé como processo imaginativo é despertada e moldada por nossas interações e pelas imagens, rituais e representações conceptuais, oferecidas convictamente, na linguagem e vida comum daqueles com quem aprendemos e crescemos. É um modo ativo de conhecer, de compor um senso ou imagem da condição de nossas vidas tomadas como um todo. Ela unifica os campos de força de nossas vidas (FOWLER, 1992, p. 36).
O autor afirma que a imaginação não deve ser identificada com fantasia ou faz-de-conta. A imaginação é uma força poderosa que subjaz a todo o conhecimento. Na fé, a imaginação compõe imagens abrangentes das condições últimas da existência. Se ela é “fiel” nesse imaginar, não cairá em solipsismo e subjetividade. A “realidade” possui forma e caráter – o ambiente último é a realidade. Compomos, portanto, em direção à adequação, propriedade ou veracidade na representação. Outros, antes de nós, compuseram, dando-nos linguagem, símbolos, mitos e conceitos que despertam e guiam o compor de nossa fé (FOWLER, 1992, p. 37)
5. A TOTALIDADE DA FÉ
A fé como fenômeno humano, uma consciência aparentemente genérica do fardo humano universal de achar ou criar sentido. A fé é sempre relacional. Os padrões de fé que tornam a personalidade possível e que sustentam a nossa identidade são pactuais (triádicos) em sua forma. Nossas relações de confiança e lealdade aos nossos companheiros em comunidade são aprofundadas e sancionadas pelas nossas confianças e lealdades partilhadas para com centros transcendentes de valor e poder (FOWLER, 1992, p. 40).
As associações humanas duradouras, em qualquer nível, exibem tal forma triádica, embora muitas vezes nossos pactos sejam tácitos e irrefletidos, e não explícitos. A estrutura pactual de nossas relações humanas significativas frequentemente se torna visível tanto por nossas traições e faltas de “boa fé” quanto pelas ocasiões em que somos mutuamente leais e fieis (FOWLER, 1992, p. 40).
A fé é imaginação na medida em que compõe uma imagem sentida de um ambiente último. Criamos imagens a partir de nossas experiências de relacionamento nos contextos pactuais de nossa vida. Participamos de, formamos e transformamos nossos relacionamentos pactuais em reciprocidade como o pano de fundo transcendente de sentido e poder em relação ao qual damos sentido à nossa vida; conforme esse relacionamento recíproco entre ambiente último imaginado e a vida diária sugere, a vida imaginadora da fé é dinâmica e muda constantemente (FOWLER, 1992, p. 40).

6. ESTÁGIOS DA FÉ
6.1 Pré-estagio: Lactância e fé indiferenciada (0 a 3 anos)
As sementes de confiança, coragem, esperança e amor fundem-se de uma forma indiferenciada e contendem com ameaças de abandono sentidas pelo bebê, inconsistências e privações no ambiente da criança. A força da fé que surge neste estágio é o fundo e confiança básica e a experiência relacional de mutualidade com a(s) pessoa(s) que dispensa(m) os cuidados e o amor primários (FOWLER, 1992, p. 106).
O perigo ou deficiência neste estágio é uma falha de mutualidade em qualquer das duas direções. Ou pode surgir um narcisismo excessivo, no qual a experiência de ser “central” continua a dominar e distorcer a mutualidade, ou experiências de negligência ou inconsistência podem encerrar o bebê em padrões de isolamento e mutualidade falha. A transição do estágio 1 começa com a convergência do pensamento e da linguagem, abrindo o caminho para o uso de símbolos na fala e nos jogos rituais (FOWLER, 1992, p. 106-107).
6.2 Estágio 1: Fé intuitivo-projetiva ( 3 a 8 anos)
As crianças intuitivo-projetistas exibem o egocentrismo cognitivo. Ainda incapazes de coordenar duas perspectivas diferentes a respeito do mesmo objeto, elas simplesmente supõem, sem questionamento, que as experiências e percepções que têm dois fenômenos representam a única perspectiva disponível (FOWLER, 1992, p. 109).
Muitas conversas entre crianças intuitivo-projetistas têm o caráter de monólogos duais, cada uma delas falando de um modo que supõem igualdade de interesse, experiência e percepção, ao mesmo tempo em que nenhuma delas coordena a sua perspectiva com a da outra, na busca de ajuste ou adequação (FOWLER, 1992, p. 109).
O pensamento da criança é mágico e fluído. Falta-lhe lógica indutiva e dedutiva; possui uma característica episódica na qual as associações seguem-se umas às outras de acordo com processos imaginativos ainda não constrangidos por operações lógicas estáveis. (FOWLER, 1992, p. 109). A mente de uma criança contém uma coleção de impressões frequentemente mal classificadas e apenas parcialmente integradas; alguns aspectos da realidade, vistos de maneira correta, mas muitos elementos completamente dominados pela fantasia preenche os imensos vazios na compreensão de uma criança que se devem à imaturidade de seu pensamento e à falta de informações pertinente. Outras distorções são consequências de pressões externas, que levam a interpretações erradas das percepções da criança (FOWLER, 1992, p. 115).
A educação nesta idade – no lar, nas sinagogas e igrejas, em escolas maternais e jardins de infância tem uma tremenda responsabilidade pela qualidade das imagens e estórias que proporcionamos como dons e guias para fértil imaginação de nossas crianças (FOWLER, 1992, p. 116).
Tendo em vista as apropriações e as construções pessoais de sentido com estes elementos simbólicos por parte da criança são imprevisíveis e tendo em vista que insistir na ortodoxia conceitual nesta idade é prematuro e perigoso, os pais e os professores deveriam criar uma atmosfera em que a criança possa expressar livremente, de modo verbal e não-verbal, as imagens que tiver formando, e pode apresenta-las a realidade (violência, fome etc) desde que por adultos competentes. (FOWLER, 1992, p. 116).
A fé intuitivo-projetiva do estágio 1 é a fase fantasiosa e imitativa na qual a criança pode ser influenciada de modo poderoso e permanente por exemplos, temperamentos, ações e estórias de fé visível dos adultos com as quais ela mantém relacionamentos primários (FOWLER, 1992, p. 116)
Dos 3 aos 7 anos há fluidez dos padrões de pensamento. A criança defronta-se continuamente com novidades para as quais não se formaram ainda operações estáveis de conhecimento. Os processos imaginativos subjacentes à fantasia não são restringidos nem inibidos pelo pensamento lógico (FOWLER, 1992, p. 116). A imaginação, nesse estágio, é fértil produtora de imagens e sentimentos duradouros (positivos e negativos) que terão de ser classificados e ordenados pelo pensamento e valoração posteriores, mais estáveis e auto reflexivos. Para Fowler este é o estágio da primeira autoconsciência (FOWLER, 1992, p. 117).
A força desse estágio é nascimento da imaginação, e a capacidade de unificar e captar o mundo da experiência em poderosas imagens e conforme ele é apresentado em estórias que registram compreensões e sentimentos intuitivos da criança no tocante às condições últimas da existência. (FOWLER, 1992, p. 117).
Os perigos – possível “possessão” da imaginação da criança por imagens irrestritas de terror e destrutividade, ou da exploração, consciente ou não, de sua imaginação ao se reforçarem tabus e expectativas morais ou doutrinárias (FOWLER, 1992, p. 116).
O principal fator que precipita a transição para o próximo estágio – é o surgimento do pensamento operacional concreto. No cerne da transição está a crescente preocupação da criança em saber como as coisas são e em esclarecer para ela mesma as bases de distinção entre o que é real e o que apenas aparenta ser (FOWLER, 1992, p. 116).
6.3 Estágio 2: Fé mítico-literal (8 aos 12 anos)
A mente da criança de 10 anos é um instrumento perigoso – constrói um mundo mais ordenado, confiável e temporalmente linear. É capaz de raciocínio indutivo e dedutivo, torna-se uma criança empirista. O grande dom para a consciência que surge é a capacidade de narrar a própria experiência. Nesse estágio traz consigo a capacidade de ligar nossas experiências, formando sentido, por intermédio de estórias (FOWLER, 1992, p. 118).
Nesse estágio a pessoa começa a assumir para si as estórias, crenças e observâncias que simbolizam pertença à sua comunidade; as crenças são apropriadas com uma interpretação literal, assim como as regras e as atitudes morais. (FOWLER, 1992, p. 128-129). Os símbolos são entendidos como unidimensionais e literais em seu sentido. A nova capacidade ou faça deste estágio é o surgimento na narrativa e o aparecimento de estória, drama e mito como formas de descobrir e dar coerência à experiência. (FOWLER, 1992, p. 129)
As limitações da literalidade e uma excessiva dependência da reciprocidade como princípio para construir um ambiente último podem resultar ou em um perfeccionismo supercontrolador e empolado ou “justificação por obras”, ou o oposto, um humilhante senso de maldade, assumido por causa dos maus tratos, negligência ou o patente desfavor de outros significativos. (FOWLER, 1992, p. 129)
Alguns aspectos que possibilitam o início da transição:
A) Colisão ou contradição implícita nas estórias, que leva à reflexão sobre os significados.
B) A transição ao pensamento operacional formal torna tal reflexão possível e necessária.
C) O literalismo anterior desmorona; uma nova presunção cognitiva leva à desilusão em relação aos professores e ensinamentos anteriores.
D) Conflitos entre histórias autoritárias – Criação x Evolução – devem ser enfrentados.
E) O surgimento da assunção de perspectiva interpessoal mútua – eu vejo você me vendo; eu me vejo como você me vê; eu vejo você me vendo ver você – cria uma necessidade de um relacionamento mais pessoal com o poder unificador do ambiente último.
6.4 Estágio 3: Fé Sintético-Convencional
A puberdade acarreta uma revolução da vida física e emocional. O adolescente precisa de espelhos – espelhos para controlar seu crescimento semanal, para se acostumar com a nova angularidade de sua face e às novas curvas ou alcance do corpo. Ele precisa de olhos e ouvidos de umas poucas pessoas de confiança nas quais possa ver a imagem da personalidade surgindo e obter uma avaliação para os novos sentimentos, ideias, ansiedades e comprometimentos que estão se formando e buscando uma forma de se expressar. (FOWLER, 1992, p. 130)
O pensamento operacional – à medida que surge, traz consigo a capacidade de refletir sobre o próprio pensamento. Ele avalia uma situação ou um problema e forma uma variedade de soluções ou explicações hipotéticas, gera métodos para testar e verificar hipóteses (FOWLER, 1992, p. 130)
O jovem começa a projetar o mito em formação do próprio eu para papeis e relacionamentos futuros. Por um lado, esta projeção representa fé no eu que a pessoa está se tornando e confiança de que esse eu será recebido e ratificado pelo futuro. Por outro lado, traz o medo de que o eu possa errar de foco, possa não encontrar lugar junto a outras pessoas e possa ser ignorado, não descoberto ou relegado à insignificância pelo futuro. (FOWLER, 1992, p. 130 )
Para  Kohlberg, o adolescente afirma através de um dístico: eu vejo você me vendo;eu vejo o eu que acho que você vê.Isso é parte de uma versão adolescente do egocentrismo. O jovem crê que todo mundo está olhando para ele, e pode sentir ou uma inflação narcisista ou uma deflação auto questionadora a respeito do “eu acho que você vê”. A pessoa começa a reconhecer de forma dística: você se vê conforme eu o vejo; você vê o você que você pensa que eu vejo. (FOWLER, 1992, p. 131)
Nessa fase, a experiência do mundo amplia-se além da família. Várias esferas exigem atenção: família, escola ou trabalho, companheiros, sociedade e mídia, e talvez religião. A fé precisa proporcionar uma orientação coerente em meio a essa fama mais complexa e diversificada de envolvimento. Ela precisa sintetizar valores e informações; precisa fornecer uma base para a identidade e a perspectiva da pessoa. E um estágio conformista no sentido de que está sintonizado com as expectativas e julgamentos de outros significativos e ainda possui uma percepção suficientemente segura de sua própria identidade e julgamento autônomo para construir e manter uma perspectiva independente (FOWLER, 1992, p. 146)
As crenças e valores são sentidas – no entanto, é típico que sejam assumidos de forma tácita – a pessoa “habita” neles e no mundo de sentido por eles mediado. Não houve chance de sair fora deles para refletir sobre eles ou examiná-los de maneira explícita e sistemática. (FOWLER, 1992, p. 146). A pessoa tem uma “ideologia” – um conjunto mais ou menos consistente de valores e crenças, mas não a objetivou para avaliação e, em certo sentido, não tem consciência de possuí-la. Diferenças de ponto de vista em relação a outras pessoas são experimentadas como diferenças no “tipo” de pessoa. (FOWLER, 1992, p. 147)
A autoridade se localiza nos portadores de papeis tradicionais de autoridade. A capacidade emergente desse estágio – formação de um mito pessoal – o mito do próprio devir da pessoa em identidade e fé, incorporando o passado e o futuro previsto em uma imagem de ambiente último unificada por características de personalidade. (FOWLER, 1992, p. 147)
Alguns perigos merecem destaques, segundo a visão de Fowler. As Expectativas e avaliações dos outros pode ser tão coercitivamente internalizadas (e sacralizadas) que a autonomia posterior de julgamento e ação pode ser prejudicada. Traições interpessoais podem fazer surgir ou o desespero niilista acerca de um princípio pessoal do “ser último”, ou uma intimidade compensatória com Deus, não relacionada a relações mundanas (FOWLER, 1992, p. 147).
Os fatores que contribuem para o rompimento do terceiro estágio são: os graves conflitos ou contradições entre fontes de autoridade valorizadas pela pessoa; mudanças significativas, por parte de líderes oficialmente sancionados. (FOWLER, 1992, p. 148)
6.5 Estágio 4: Fé Individuativo-Reflexiva (17 anos a 40 anos)
Do estágio 3 para o 4 é crítico – o adolescente ou adulto deve começar assumir seriamente o encargo da responsabilidade por seus próprios compromissos, estilo de vida, crenças e atitudes. Onde um movimento genuíno em direção ao estágio 4 está em andamento, a pessoa deve enfrentar certas tensões inevitáveis: individualidade versus ser definido por um grupo ou pelo fato de ser membro de um grupo; subjetividade e o poder de sentimentos fortemente vivenciados, mas não examinados, versus objetividade e a exigência da reflexão crítica; auto realização como preocupação primária versus serviço em prol dos outros e ser para outros; a questão de estar comprometido com o relativo versus a luta com a possibilidade de um absoluto (FOWLER, 1992, p. 154).
O eu, anteriormente sustentado em sua identidade e composições de fé por um círculo interpessoal de outros significativos, agora exige uma identidade não mais definida pelo composto de papeis ou significados de pessoa para outras. É um estágio desmitologizador – provavelmente dará pouca atenção aos fatores inconscientes que influenciam seus julgamentos e comportamentos (FOWLER, 1992, p. 154)
A força ascendente do estágio 4 é a capacidade de refletir sobre a identidade (eu) e a perspectiva (ideologia). Seus perigos são inerentes à suas forças: um confiança excessiva na mente consciente e no pensamento crítico, e uma espécie e segundo narcisismo no que o eu, agora claramente delimitado e reflexivo, assimila excessivamente a “realidade” e a perspectiva dos outros em sua própria cosmovisão (FOWLER, 1992, p. 155)
Há uma inquietação as auto imagens onde a pessoa pronta para a transição se vê dando atenção ao que pode parecer vozes interiores anárquicas e perturbadoras: elementos de um passado infantil, imagens e energias de um eu mais profundo, uma percepção corrosiva da esterilidade e achatamento dos significados aos que a pessoa serve – qualquer um ou todos estes elementos pode indicar prontidão para algo novo. Estórias, símbolos, mitos e paradoxos da própria tradição ou tradições podem insistir em perturbar a simplicidade da fé anterior (FOWLER, 1992, p. 155).
A desilusão com os compromissos da pessoa e o reconhecimento de que a vida é mais complexa do que a lógica de distinções claras e conceitos abstratos do estágio 4, é capaz de entender, impelem a pessoa na direção de uma abordagem mais dialética e diversificada da verdade da vida (FOWLER, 1992, p. 155).
6.6 Estágio 5 – Fé Conjuntiva
Os significados da fé vão além do que pode ser racionalmente afirmado; síntese vivencial dos opostos, nível mais profundo. Reconhece que a verdade, pode ser encontrada também no outro, de forma dialógica (FOWLER, 1992, p. 166).
O vínculo com o símbolo sagrado, não está fechado em si mesmo, mas pode ser redimensionado. Os riscos desse estágio são a passividade ou ociosidade. O confronto do indivíduo com seus próprios dilemas, as supostas crises são um trampolim, impulsos para a maturidade, instrumentos de aprendizagem. (FOWLER, 1992, p. 166).
Nesse estágio a pessoa gera e se dedica ao cuidado do que gerou, fato perceptível principalmente em relação à transmissão dos valores sociais de pai para filho. (O ser humano sente que sua personalidade foi enriquecida e não alterada com tais ensinamentos, devido à necessidade intrínseca que existe no homem de transmitir, de ensinar). (FOWLER, 1992, p. 166).
6.7 Estágio 6 ( a partir dos 40 anos)
Nesse estágio as pessoas entregam-se totalmente a uma causa. Transformam a realidade atual na direção de uma realidade transcendente. Tais qualidades de subversividade redentora e de irrelevância relevante se derivam de visões que elas veem e com as quais comprometeram todo o seu ser. Não são visões abstratas, geradas, como utopias, de alguma capacidade para a imaginação transcendente. Pelo contrário, são visões nascidas de atos radicais de identificação com pessoas e circunstâncias onde a futuridade do “ser” está sendo esmagada, bloqueada ou explorada (FOWLER, 1992, p. 167).
CONCLUSÃO
De maneira geral a fé, em seus diversos estágios é o modo que uma pessoa, ou sociedade busca a força motriz nos campos da vida. É a busca da coerência nesses campos que constituem a nossa vida e o sentido dela. A fé é intrinsecamente modelada de acordo com a enculturação e alteridade numa busca de um centro de poder compartilhado.
REFERÊNCIAS
FOWLER, James W. Estágios da fé. São Leopoldo: Sinodal, 1992.
[1] Vem de Proteu, um pequeno deus do mar, na corte de Poseidon, que podia adotar facilmente qualquer identidade ou comprometimentos específicos.

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