No dicionário organizado por J. D. Douglas, 57 a definição de caverna do termo hebraico é mea´rah, que pode ser entendido como covil, buraco. Formada por pedras calcárias e de giz, servia como habitação, esconderijo, cisterna, sepulcro. Biblicamente falando, pode-se notar que diversos personagens aparecem habitando em cavernas, como foi o caso de Ló (Gn 19.30). No tocante a ser usada como sepulcro, podemos citar o caso de Abraão, Isaque, Rebeca, Lia, Jacó, os quais foram sepultados na Caverna de Macpela (Gn 23.19; 25.9; 49.29-32; 50.13). No caso de esconderijo, elas foram usadas por Elias e Davi (1 Rs 19.9; 1 Sm 22.1).
No seu aspecto literal, a caverna de Adulão era denominada antigamente fortaleza. Acredita-se que o nome caverna surge pela corruptela do texto hebraico. Essa caverna ficava 32 quilômetros a sudeste de Jerusalém e pouco mais que isso de Gate. Esse lugar tornou-se o exílio de Davi, tanto antes como depois de grandes passagens (2 Sm 23.13-17).
A causa de Davi dirigir-se para essa fortaleza deveu-se ao ódio e ao ciúme declarado de Saul contra sua pessoa. Isso se comprova facilmente no ato da matança que ele faz com os sacerdotes de Nobe por considerar que o sumo sacerdote dera apoio ao fugitivo Davi (1 Sm 21.1-27). O fim de Saul será triste porque ele colhe aquilo que plantou (Gl 6.7)
Os Proscritos da Caverna de Adulão Os proscritos, ou seja, degredados, banidos, que se juntaram a Davi, num total de 400 homens, eram de três classes: (a) aqueles que se achavam em aperto, do hebraico matsowq, “apuro, pressão, dificuldade ou perseguição”; (b) os que deviam dinheiro a juros, do hebraico nasha; e (c) homens amargurados, do hebraico marah. Era desses que Davi seria líder.
É bom entender que os que se ajuntaram a Davi estavam na mesma situação que ele: eram considerados fora da lei e não estavam contentes com o governo de Saul. Então, com eles Davi forma um exército que trabalhará a seu favor. Não foi difícil liderá-los por duas razões: primeiro, estavam nas mesmas condições de Davi; segundo, tinham consciência de que Davi era a grande esperança de mudança. Eles iriam trabalhar no mesmo propósito. Caso Davi crescesse, eles também cresceriam, e foi o que aconteceu. Ao subir Davi ao trono, não foram esquecidos pelo seu rei.
Quando líder e servo trabalham com os mesmos ideais, objetivos, o sucesso é garantido. Paulo disse à igreja de Filipos que Timóteo tinha seus mesmos sentimentos, por isso cuidaria bem deles (Fp 2.19-23). Vale dizer que esse grupo de homens passou a servir a Davi com submissão porque a primeira coisa que ele fez foi valorizar cada um. Isso pode ser comprovado pelo elogio que Davi faz quando menciona em sua lista os grandes valentes, que, em destaque, pode-se pontuar três (2 Sm 23.13,14; 1 Cr 11.15.16), enquanto o sistema os perseguia.
Por vezes achamos por demais difícil liderar igreja, um grupo de pessoas; todavia, quando o pastor ou líder procura valorizar o talento, a capacidade de seus servos, sendo humilde em tudo, fica mais fácil. É nesse sentido que é bom atentar para o que Jesus disse em Mateus 10.44. Liderança firmada na autocracia, na inflexibilidade, que apenas exige, cobra, sem valorizar o outro, jamais permanecerá de pé. É bom lembrar que Pedro nivelou-se aos demais presbíteros e, para alcançar o respeito dos seus liderados, servia de exemplo (1 Pe 5).
O exílio no seu sentido literal fala de expatriação forçada, de ser afastado para um lugar remoto. No seu aspecto figurativo, o isolamento pode ser usado no sentido de ausentar-se socialmente do convívio de certas pessoas ou grupos. Davi buscou a caverna de Adulão como refúgio para proteger-se de Saul e a ele se juntam 400 homens que estavam em busca de mudança.
Metaforicamente, a caverna de Adulão foi uma bênção para Davi e os homens que ali se encontravam passaram a entender que não valia a pena viver fugindo, tomando atalhos, recorrendo a meios escusos, mas que precisavam de mudança. Em nossa vida, especialmente quando estamos gozando de boa posição, nome, título, fama, esquecemos quem somos e, por vezes, somos levados a situações conflitantes, perseguições, contrariedades, crises, as quais nos levam às cavernas do recôndito de nossa alma, para que reflitamos e sejamos forjados outra vez para voltarmos ao caminho certo da vida. Na caverna, somos confrontados com nós mesmos. Entramos ali porque tememos nossos inimigos, fugimos de algo que nos persegue e com o qual não conseguimos lidar. Na caverna, somos desafiados a entender que não somos os melhores, nem super-homens, mas, sim, que dependemos de Deus e de outros para avançarmos.
Honrar os pais é mandamento da Palavra de Deus (Êx 20.12). No meio de toda aflição que estava passando, Davi tem um cuidado todo especial com seus pais, pois não poderia jamais deixá-los à mercê dos ataques de Saul. Ele solicita ao rei de Moabe que conceda abrigo a eles. É claro, o rei de Moabe era inimigo de Saul e prontamente aceita a solicitação de Davi. Faz isso porque acredita na amizade e que está contribuindo com Davi, dentre outros benefícios.
Davi tinha consciência de que Saul faria de tudo para acabar com seus familiares, isso porque ele promoveu um grande e violento massacre contra os sacerdotes em Nobe. Todos estavam socialmente rejeitados, e por isso ele procura conceder-lhes amparo, cuidado, proteção. Ir para os moabitas não era algo estranho para Davi, pois Rute, que era bisavó de Davi, era moabita (Rt 4.17). Durante todo o período em que Davi residiu em Adulão, sendo perseguido por Saul, sua família estava protegida em Moabe. No tocante a Mispa, que quer dizer torre de vigia, alguns a tem identificado com Quir. É bem verdade que Mispa como sendo território em Moabe é desconhecido.
Em Êxodo 20.12, há uma promessa de prolongamento de dias na terra para quem honrasse os pais. Em Efésios 6.2, Paulo diz que honrar pai e mãe é o primeiro mandamento com promessa. No tocante a esse mandamento, os questionamentos são e têm sido os mais diversos em referência à promessa; todavia, o propósito presente no texto não é que a bênção feita como promessa deva ser a causa para nós obedecermos a esse mandamento. Sabemos que a família é a base da sociedade, assim, as relações de respeito, amor, consideração, carinho, estima, tudo deveria ser mantido, o que se perpassaria para as gerações futuras e aí se construiria uma sociedade maravilhosa.
Muitos entenderam a promessa em termos materiais, como também seguros da propriedade da terra a qual Deus havia concedido, pois revelaria a fidelidade divina para com seu povo, o que resultaria em sua glória. É bem verdade que a concepção judaica parava nesse sentido, mas, como dizem certos biblistas, eles pensavam assim porque ainda estavam na infância de Deus, eram bebês na fé, no conhecimento de Deus.
Os dias prolongados, que é a promessa, na verdade apontava para uma vida ininterrupta de comunhão com Deus, vida eterna. O propósito geral dos dez mandamentos se consuma em dois: amar a Deus e ao próximo. Assim, o homem primeiramente relaciona-se com Deus em amor, e esse amor é aplicado na comunidade de modo geral. Isso demonstra comunhão e traz prolongamento de dias, ou seja, vida eterna (Dt 6.5; Lv 19.18; Jr 22.16).
A Inconsistência de Saul Saul era um líder sem firmeza. Para manter seu poder e ter apoio dos liderados, ou seja, a lealdade deles, fazia ofertas de cargo, posição, concedia riquezas aos seus associados, dentre outras vantagens, como as que fez a quem vencesse Golias. Esse tipo de liderança beneficiava um pequeno grupo a ele associado, mas gerava no povo insatisfação.
Em prosseguimento, Saul diz aos seus liderados que Davi jamais poderia fazer o que ele fez, dando terras, vinhas e posição destacável no exército. Por meio dessas palavras, o que se percebe é a falta de uma liderança firme, de uma autoridade confirmada, pois, ao ter ciência de que Davi estava com um grupo, temeu muito mais ainda, acreditando que muitos iriam aliar-se a ele.
Entende-se claramente aqui que Saul era um rei sem conteúdo administrativo, sem influência espiritual e moral, pois, para se manter no poder, usava de meios ardilosos, maquiavélicos; para seus soldados não inspirava confiança, segurança. É lamentável dizer, mas muitos querem ser líderes fazendo imposições, cobranças sem limites, amedrontando e ameaçando, usando de favoritismo para benefício próprio. Todavia, o verdadeiro líder, pastor, é aquele que influencia seus liderados por seu exemplo de vida. Sua autoridade resulta do caráter que tem, do trabalho que desempenha, da habilidade administrativa, e, no mais específico, da presença de Deus, e não da troca de favores. Saul, apesar de toda politicagem, sente-se traído, pois seus comandantes não falam da intimidade que existe entre Davi e Jônatas, seu filho. Observe que Saul diz que até seu filho trabalhou de modo injusto para que Davi se levantasse contra ele para o tirar do trono.
Saul via a todos os seus subordinados como suspeitos e ninguém se compadecia dele; não eram fiéis.
Não se conquista lealdade, fidelidade, com presentes, mas representa fragilidade da parte de um líder quando busca dirigir um povo com favoritismo. Muitos recebiam as dádivas de Saul, mas tinham um coração não fiel a ele, mas a Davi, porque viam a falta de equilíbrio espiritual, moral e psicológico em Saul.
O massacre contra os sacerdotes de Nobe feita por Saul revela o quanto ele estava dominado pelo poder demoníaco e tinha uma mente doentia. Na verdade, ele estava paranoico. Saul não confiava em nada e em ninguém. Desconfiava de tudo e de todos. Via ameaça por todos os lados, traição de todas as partes, inclusive deslealdade em Jônatas, seu filho. Ao relatar Doegue o que testemunhou em Nobe (1 Sm 22.1-9), isso vai custar a vida de Aimeleque, pois, pelo que foi dito, tornou-se cúmplice de Davi.
O texto nos revela que não havia qualquer conspiração em Aimeleque, pois ele atendeu Davi por entender que ele estava a serviço do rei (1 Sm 21.2) e a quem ele era totalmente fiel. Era ignorante a respeito de qualquer problema envolvendo Saul e Davi. Seria impossível Saul confiar nas palavras do sumo sacerdote, visto que ele estava dominado por poderes demoníacos, de maneira que logo todos são acusados de conspiração (1 Sm 22.11-13). O sentimento de ciúme, ódio e inveja que dominava o coração de Saul fez com que de imediato ordenasse a morte de todos os sacerdotes de Nobe. Note que seus soldados não quiseram de maneira alguma praticar tal massacre e não obedeceram à ordem do rei. Entra, então, em cena Doegue, para cometer esse brutal crime. Oitenta e cinco sacerdotes foram mortos e a cidade foi destruída com seus habitantes.
Ainda que a maldição lançada sobre a casa de Eli seja cumprida aqui, devido ao seu grande pecado, a perversidade desse ato brutal ordenado por Saul não seria atenuado. É claro, o rei fez isso porque seu coração não era puro, sincero para com Deus, daí a falta de temor para com aqueles que vestiam o éfode de linho, ou seja, os sacerdotes. No mais, Doegue, além de estrangeiro, não sabia o valor daqueles que serviam ao Senhor.
Aqueles que não são puros nem têm temor a Deus não medem esforços para atacar os ungidos do Senhor, que dedicam sua vida à causa do Mestre, razão pela qual por vezes fazem a obra do Senhor sofrendo, chorando, o que não é bom. O escritor aos Hebreus diz que os cristãos devem respeitar os pastores e a eles se sujeitarem, para que façam o trabalho com alegria, não chorando (Hb 13.17). Os soldados que tinham temor a Deus não obedeceram à ordem do rei, ainda que pudessem estar correndo risco de vida, pois Saul poderia também ordenar a morte deles.
Abiatar, o filho de Aimeleque que escapara do massacre, relatou tudo a Davi, o que lhe gerou tristeza profunda por saber que a causa da morte dos sacerdotes do Senhor fora por sua culpa. É claro, isso não foi de modo intencional. Davi pede para que Abiatar fique com ele, pois assim estaria em segurança. Esse sacerdote veio a ser um grande amigo de Davi e também sumo sacerdote no período do seu reinado (1 Sm 23.9; 30.7; 2 Sm 14.24).
Doegue era pastor-chefe de Saul. Seu nome do hebraico é “temeroso” ou “ansioso”. Crê-se que ele havia se convertido, ou seja, se tornado um prosélito, mas não foi de verdade, pois não tinha o temor de Deus nem o respeito que os hebreus mantinham para com os sacerdotes. Quando Davi chegou ao sacerdote Aimeleque, lá estava esse homem. Alguns supõem que ele estivesse no tabernáculo para pagar algum tipo de voto, um tipo de purificação, ou para fazer qualquer outro sacrifício, deixando de lado a causa de ele estar ali. Sua presença o fez testemunha do que Davi pediu ao sacerdote.
Doegue era esperto e em tudo queria tirar vantagens. Logo que viu Saul ficar contra os seus próprios subordinados, esse homem apresentou-se como leal. Alguns biblistas afirmam que ele se portou dessa maneira porque queria ganhar terras, mais outros tipos de bens e ter uma posição elevada entre os soldados de Saul. Para Doegue, cometer aquele crime brutal contra os ungidos do Senhor era algo normal, um simples ataque. No mais, seu objetivo era agradar e satisfazer o ímpio rei Saul, que queria apenas manter seu poder. Esse homem matou oitenta e cinco sacerdotes indefesos, desarmados, inocentes.
Estudiosos afirmam categoricamente que no Salmo 52 Davi profetiza o fim trágico de Doegue. O salmista diz que, assim como suas palavras provocaram a morte de pessoas inocentes, sacerdotes, entre outros, Deus haveria de o destruir e o lançaria fora. Ele seria arrancado de sua habitação e lançado fora da comunhão de entre os homens; seria desenraizado como uma árvore é pela tempestade. Sua vida seria privada de toda bênção de nutrição (Sl 52.1-5). Isso mostra para nós que aqueles que se entregaram à calúnia, à falsidade, à mentira, buscando vantagens e atacando os homens escolhidos por Deus, pagaram um alto preço. Sua sina será semelhante à de Doegue. Portanto, o que realmente cada cristão deve fazer é respeitar os servos escolhidos de Deus.
O Governo divino em mãos humana
- Osiel Gomes
I E II SAMUEL
O sacerdote Aimeleque ajuda a Davi (21.1-9). Em sua emergência, Davi teve de decidir rapidamente em qual povo podia confiar como aliado. Comida e abrigo eram suas necessidades imediatas, mas ele também não tinha nenhuma arma. Em primeiro lugar, dirigiu-se a Nobe, que havia tomado o lugar de Silo como cidade dos sacerdotes (1 Sm 22.19) e ficava bem perto, a cerca de três quilômetros de distância, na direção de Jerusalém (cf. Is 10.32).
1-3. Aimeleque era irmão de Aias, que havia se juntado a Saul como conselheiro espiritual depois que Samuel deixou de servi-lo (1 Sm 14.3; cf. 22.9). Por essa razão, Davi não estava certo se devia ou não confiar em Aimeleque e decidiu inventar uma história plausível que explicasse o fato de vir sozinho. Mesmo assim, Aimeleque deve ter suspeitado, em face da certeza de que um enviado real sempre disporia de provisões reais e de um guarda-costas. Entretanto, Aimeleque não faz objeções, aceitando a necessidade de sigilo, o encontro secreto com companheiros e o pedido de cinco pães.
4-6. O pão sagrado (ou pães da proposição), que era colocado sobre uma mesa no lugar santo do tabernáculo (Lv 24.5-9), era tudo o que Aimeleque tinha às mãos. Doze pães grandes simbolizavam as doze tribos com as quais o Senhor havia entrado em aliança.' Quando fossem substituídos, aqueles pães não deveriam ter um uso qualquer, mas deveriam ser comidos pelos sacerdotes; no entanto, tal foi a súplica de Davi que Aimeleque abriu uma exceção e deu-lhe os cinco pães que queria, após ser assegurado por Davi que ele e seus homens estavam ritualmente “puros”, segundo os critérios estabelecidos em Levítico 15. Mais tarde, Jesus iria endossar a decisão de Aimeleque ao fazer com que a misericórdia tivesse precedência sobre a lei cerimonial (Mt 12.3-7).
A rigidez com que se aceitava, durante uma expedição militar, a disciplina da “guerra santa” é percebida no comportamento do heteu Urias (2 Sm 11.8-13). Tal disciplina não se baseava num ideal ascético de casamento, algo totalmente estranho à Bíblia, mas num compromisso coletivo e absoluto com a causa do Senhor, em cujo nome a batalha estava sendo travada.
7. A informação transmitida por este versículo tem muito significado para desdobramentos posteriores da história (1 Sm 22.9). Saul havia lutado contra Edom (1 Sm 14.47) e trouxera Doegue, edomita,para seu serviço, talvez após sua vitória. O maioral dos pastores deSaul ainda é a leitura preferida, apesar da sugestão de emenda para “corredores” (“cursores” na PIB), à luz da menção feita com relativa freqüência de homens que corriam à frente da carruagem do rei (1 Sm 8.11; 2 Sm 15.1) ou que serviam como mensageiros (1 Sm 4.12; 10.23). A palavra traduzida por “maioral” ('abbir) significa “poderoso”, mas também é empregada com o sentido de “violento” e “obstinado”; a presença desse homem era ameaçadora, principalmente porque ele estava detido perante o Senhor, talvez contra sua vontade, ou pelo menos como algum tipo de castigo. Mais tarde, Davi revela que não se sentiu à vontade na presença do edomita em Nobe (1 Sm 2 2.22).
I. Wenham, Leviticus, p. 310, n. 6, observa que cada pão tinha “aproximadamente 3 litros, ou 1,5 quilo, de farinha”. Esses não eram os pequenos pães às vezes indicados na Bíblia com a palavra “pão”.
8-9. A ordem do rei era urgente foi uma maneira engenhosa de explicar por que Davi estava desarmado e, ao mesmo tempo, indicava que ele estava numa missão real. A espada de Golias já fora útil a Davi (1 Sm 17.51); ele presumivelmente sabia que estava bem guardada em Nobe. Em primeiro lugar, Davi havia recebido a assistência do grande profeta Samuel e, agora, havia se saído bem ao pedir comida e uma espada aos sacerdotes estabelecidos no santuário. Contudo, tendo completado sua missão, não ousa permanecer ali.iv. Davi enfrenta o perigo em Gate (21.10-15). Precisando se livrar de Saul, o próximo destino de Davi ficava em território filisteu, a cerca de 50 quilômetros a sudoeste. Ele teve a ousadia de tentar ser aceito em país inimigo (carregando a espada de Golias!), mas sua situação era tão extrema que ele esperava não ser reconhecido e passar por um dos servos do rei Aquis. Tinha sido excessivamente otimista: ele era por demais conhecido para entrar incógnito no palácio; assim, Davi teve a presença de espírito para fingir insanidade a fim de se livrar do perigo.1 Estava certo ao supor que Aquis não desejaria manter um insano na corte; assim, conseguiu escapar.
Os membros da corte de Aquis chamaram a Davi rei da sua terra; com base na aclamação que ele recebeu depois do incidente com Golias, supuseram que tal era sua posição em potencial (se não fosse já verdadeira). Mais tarde, Davi tomaria a percorrer tal caminho, dessa vez em circunstâncias bem diferentes, e seria bem recebido por ter conseguido dar a Aquis a impressão de que era um aliado contra Israel (1 Sm 27.2-12). Contudo, em sua primeira visita, sendo um fugitivo solitário sem ninguém a seu lado em quem pudesse confiar, ele provavelmente estava em seu limite extremo. Contudo, embora estivesse no “vale da sombra da morte”, ele descobriu que o Senhor
1. A raiz hebraica traduzida por “doido” (sg') érara (cf. Dt 28.24, 28; 2 Rs 9.20; Zc 12.4). D. J. Wiseman, ‘“Is it peace?’ — Covenant and Diplomacy”, VT 32 (1982), p. 320, 321, indaga se sg’ “pode descrever alguma atitude desfavorável do coração e da mente que não a ‘loucura’... A palavra acadiana segü é aplicada a um comportamento... talvez mais bem descrito como ‘fortemente agressivo’ — o oposto de pacífico”. Essa nuança deixaria implícito que Davi era um perigo para a sociedade.
estava com ele, capacitando-o a fazer planos e a sobreviver ao perigo. O título do salmo 34 identifica seu conteúdo com este episódio, e suas palavras iniciais são um convite a “bendizer o Senhor em todo o tempo”, mesmo em profundas dificuldades, como quando Davi teve medo dos geteus, moradores de Gate (veja 2 Sm 15.18). Ele universalizou seu testemunho; um conhecido hino parafraseia assim o salmo: “Livramento ele propicia a quem em seu socorro confia” (cf. SI 34.17).1 É ao mesmo tempo uma afirmação da graça de Deus e um incentivo a viver pela fé em Sua palavra.
v. Davi em Adulão e em Moabe (22.1-5). Fugindo de território inimigo, Davi dirigiu-se a uma região que conhecia: Adulão (o nome significa “refúgio”), em Judá, a meio caminho entre Gate e Belém. Em tempos patriarcais, havia sido uma cidade cananéia (Gn 38.1), capturada por Josué quando houve a ocupação da terra (Js 12.15). Perto dali havia uma colina fortificada e famosa por suas cavernas, as quais serviram de abrigo natural para o desamparado Davi, muito embora seus movimentos não deixassem de ser notados. Seus irmãos e toda acasa de seu pai, ameaçados pelo rei Saul devido à sua relação com Davi, aproveitaram a oportunidade para fugir de Belém, que ficava perto demais de Gibeá, gerando preocupação. Outros que recorreram a ele foram homens em aperto (o hebraico mãsôq indica “oprimido”), quem estava endividado e os amargurados de espírito, isto é, “descontentes” e, por isso, ansiosos por mudanças. Foi com tal base que Davi treinou um exército leal, com seus “valentes” que fariam qualquer coisa por ele (cf. 2 Sm 23.8-39). Dessa maneira, seus dons de líder foram sendo desenvolvidos, à medida que ele e sua força “subterrânea” de quatrocentos homens preparavam-se para a ação. Não muito tempo depois, ele estaria comandando 600 homens (1 Sm 25.13); parece que aceitava todos os que vinham a ele.
Os pais de Davi precisavam de um local seguro para residir; daí a viagem para Moabe, fora do território de Saul; sugeriu-se Moabe devido aos laços familiares por meio de Rute, a avó moabita de Jessé (Rt 4.17). Mispa, evidentemente uma cidade real de Moabe, é conhecida apenas por meio desta passagem. Tendo instalado seu pai e sua mãe em Moabe, Davi refugiou-se em sua “fortaleza” (BLH; nfsúdâ), que aparentemente não ficava em Judá, mas que agora não pode ser identificada. O mesmo se aplica ao bosque de Herete. O profeta Gadejá estava se identificando com a causa de Davi e, no final, se tornaria um dos cronistas do reinado de Davi (1 Cr 29.29). Ele viveu o suficiente para ver o templo em atividade e participou da regulamentação da adoração ali realizada (2 Cr 29.25).
1. N. Tate eN. Brady, “Through all the changing scenes of life”
vi. O preço de proteger Davi (22.6-23). 6. O cenário muda para Gibeá, onde Saul está com sua corte no topo da colina, debaixo da “tamargueira” (IBB), evidentemente um ponto de referência, que proporcionava sombra.1 A falta de ação lhe dá condições de ficar remoendo a deslealdade que ele suspeita existir entre seus servos de longa data.
7-10. Evitando cuidadosamente usar o nome Davi, assim mesmo Saul mostra que está obcecado com pensamentos sobre seu rival, desejando ser tranqüilizado com o fãto de que ainda dispõe de total apoio de seu exército e de seus oficiais, cujo silêncio o preocupa. Saul honrara a tribo de Benjamim com presentes de terras e posições de liderança. Ele deixa implícito que o filho de Jessé de Judá não terá tal compromisso com Benjamim. É impossível não se compadecer de Saul em seu isolamento, embora ele mesmo seja responsável por isso. Nem seu filho nem Davi, a quem ainda considera seu servo, teriam-no abandonado caso o próprio Saul não os tivesse afastado de si ao tentar assassiná-los. Agora, ele imagina que Davi está armando ciladas para matá-lo, atribuindo desse modo a Davi a motivação que ele mesmo teria tido em circunstâncias semelhantes.
Semelhante cena da corte reunida ao ar livre encontra-se descrita em 1 Reis 22,10 (cf. 1 Sm 14.2), sendo um aspecto conhecido da literatura antiga do Oriente Próximo
Um dos elementos do grupo irá “falar”; Doegue reflete o tom da fala do rei com toda a arte de um traidor, omitindo toda referência ao tremor e às perguntas cautelosas de Aimeleque (1 Sm 21.1),1 que é incriminado.
11-15. Parece que Aimeleque não ficou assustado com a convocação do rei para se apresentar com todos os seus colegas sacerdotes na corte em Gibeá. Ele tem a consciência limpa e defende Davi, a quem sempre respeitou, ressaltando sua confiabilidade, sua posição de honra na família real e na corte e o hábito que Davi tinha de consultá-lo a fim de conhecer a orientação do Senhor.
16-19. Para Saul, a declaração direta que Aimeleque fez de seu ponto de vista equivalia a uma confissão de traição. Ele havia ajudado e apoiado Davi, o inimigo de Saul, e deixara de informar o rei sobre os movimentos de Davi; por isso, merecia morrer, junto com seus colegas sacerdotes. Os servos do rei encararam os sacerdotes do Senhor; nenhuma pessoa, ainda que fosse o rei, deveria tocar no ungido do Senhor — daí a recusa coletiva dos servos de Saul em obedecer à sua ordem de matar os sacerdotes. Só o edomita executaria um comando desses, e o rei, que tão bem começara, ao reconhecer o livramento feito pelo Senhor (1 Sm 11.13), agora matava os servos do Senhor, entre os quais, presume-se, estava Aias (1 Sm 14.3). A família sacerdotal foi quase toda aniquilada, incluindo mulheres, crianças e até animais. O contraste com a relutância de Saul em executar a destruição completa dos amalequitas é assinalado (1 Sm 15.9). E como se a repreensão que Samuel lhe fez na ocasião ainda o exasperasse, gerando a retaliação.2 Saul tem poder, mas ele o emprega para destruir os sacerdotes do Senhor.
1. Afirma-se agora que o edomita Doegue “estava com (nissãh‘al) os servos de Saul”. Esse verbo é o mesmo empregado acerca de Samuel em 1 Samuel 19.20, onde a expressão é traduzida por “lhes presidia”. Parece que Doegue já havia caído nas graças do rei, tendo sido preferido diante dos benjamitas.2. D. M. Gunn chama a atenção para indícios da condenação de Samuel contra ele no comportamento que Saul tem aqui: “Desse modo, o episódio (semelhante ao cap. 14) é uma paródia das cenas da rejeição de Saul, esp. o cap. 15... a questão passa a ser cada vez mais a de quem tem o verdadeiro ‘poder’” (Gunn 1980, p. 87, 88)
20-23. Pela providência de Deus, Abiatar, um dos filhos de Aimeleque, escapou do massacre, salvou o éfode (1 Sm 23.6) e fugiu para se juntar a Davi, que desse modo teve acesso ao oráculo sacerdotal, ao passo que Saul se privava de toda ajuda desse tipo. O único sacerdote sobrevivente e o rei nomeado estão juntos, escondidos, cada um servindo de apoio para o outro, e sua amizade perdurou ao longo do reinado de Davi (mas cf. 1 Rs 2.26, 27). Davi tornou-se o protetor do sacerdócio.
vii. Saul caça a Davi (23.1-29). Enquanto Saul estava ocupado em achar e matar Davi, os filisteus puderam continuar tranqüilamente seus ataques. Davi sabia das incursões deles, a última das quais tinha sido feita em Queila, que pertencia a Judá mas ficava bem atrás das linhas inimigas na ocasião desse ataque. O nome atual é Tell Qila, ao sul da antiga Adulão.
1-5. Essa foi uma ocasião em que Davi dependeu da orientação de Abiatar, por meio do éfode, a fim de conhecer a vontade do Senhor. O perigo envolvido atemorizava até mesmo os corações das tropas de Davi: elas poderiam facilmente ser cercadas e ter bloqueada sua retirada; daí Davi verificar duas vezes a orientação recebida. Tranqüilizados, seus homens lutaram contra os filisteus com sucesso, e o exército de Davi levou todo o gado; não é claro o que as tropas filistéias estavam fazendo com o gado. Talvez fosse despojo tomado em escaramuças anteriores, ou então “transporte” para suas provisões. A cidade de Queila foi libertada por Davi, que, por sua vez, pode ter esperado um apoio leal.
6-13. Entretanto, o rei Saul ainda estava no poder e conhecia a localização de Davi, da mesma forma como Davi estava consciente de que Saul planejava capturá-lo ali. A convocação geral indica um imenso exército pronto para sitiar a cidade. Tendo causado anteriormente a morte dos sacerdotes, Davi estava apreensivo a fim de não provocar mais derramamento de sangue. Sua oração revela seus pensamentos: Saul... procura... destruir a cidade por causa de mim. O éfode dá respostas afirmativas às duas perguntas de Davi: Saul está vindo, e os moradores de Queila entregarão Davi. Essa seria a maneira óbvia de evitar a destruição da cidade onde moravam.
I e II Samuel Joyce G. Baldwin
1 SAMUEL 22 22:
5. Este Gade é mencionado pela primeira vez aqui. Mais tarde tornou-se o vidente de Davi (II Sm. 24:11). Ele censurou Davi pelo pecado de realizar o censo e escreveu uma história do reino de Davi (I Cr. 29:29). De II Cr. 29:25 parece que ele estabeleceu os serviços religiosos no templo.
6. Achando-se Saul em Gibeá. Aqui vemos uma descrição viva de um conselho da antiguidade, reunindo-se para discutir assunto de estado e dispensar justiça.
7. Filhos de Benjamim demonstra quão isolados ainda eram as tribos e que na sua maioria, Saul estava cercado por membros de sua própria tribo. Dar-vos-á também o filho de Jessé. Saul não tinha palácio, nem corte elaborada. Os seus únicos servos eram os Benjaminitas. Ele insinuou que Davi se limitaria à sua própria tribo. Embora, apesar de tudo, Davi foi na direção oposta e arriscou perder a lealdade de Judá.
18. Que vestiam estola sacerdotal de linho. A palavra traduzida para vestiam sempre significa "levantar" ou "carregar". Assim, Doegue matou naquele dia infame 85 homens que levavam a estola sacerdotal de linho, sacerdotes em plena atividade, cada um qualificado à transmitir oráculos através do uso da estola.
19. Passou ao fio da espada. Literalmente, de acordo com a boca da espada. Os antigos desenhavam a espada no formato de animal, com a lâmina da espada representando uma língua e os dois lados do cabo representando os lábios. Na loucura da sua furiosa teimosia, Saul descarregou sobre uma cidade inocente, dentro dos limites de sua própria tribo, a vingança que ele deixou de exercer sobre uma nação pagã culpada, conforme os mandamentos de Deus (15:3).
20. Abiatar, um dos filhos de Aimeleque, provavelmente deixado como responsável pelo santuário em Nobe, escapou ao massacre e fugiu com a estola sagrada (23:6) para junto de Davi, em Adulão. Ele compartilhou com Davi todas as peregrinações e Davi o colocou na posição de sacerdote, juntamente com Zadoque. Mais tarde ele apoiou a tentativa de Adonias em assumir o trono, e conseqüentemente foi banido por Salomão para Anatote. Jeremias poderia ter sido um descendente desta família.
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