Escola Bíblica Dominical: A Rebelião de Absalão - Se Liga na Informação





Escola Bíblica Dominical: A Rebelião de Absalão

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I.             O HOMEM ABSALÃO

Descrição Pode-se perguntar por que o nome de Absalão consta nas narrativas do texto de Samuel, sendo que não existe qualquer destaque espiritual em sua vida digno de louvor, mas, sim, que se manifestou como um filho rebelde, contumaz, sedento pelo poder. Podemos dizer que isso se dá por alguns motivos. Primeiramente, sabemos que Amnom era o primogênito de Davi, depois vinha Absalão como o terceiro filho e, em quarto, Adonias, mas, para a preservação da dinastia da casa de Davi, por sua soberania, Deus escolhe Salomão para sucedê-lo.


O destaque que se dá a Absalão resulta da consequência do pecado de Davi e os momentos que se aludem sobre ele são sempre negativos. Primeiramente, o assassinato de seu irmão Amnom (2 Sm 13.1-38); em segundo lugar, a rebelião que ele faz contra seu pai (2 Sm 13.39; 19.8). É triste quando o nome de uma pessoa aparece em alguma cena apenas com pontos negativos, como foi o caso de Absalão. Por isso, faz-se necessário sempre o servo de Deus procurar proceder exemplarmente em todos os aspectos para glorificação do nome do Senhor.

Absalão, do hebraico, quer dizer o pai é da paz. Filho de Davi com Maaca (2 Sm 3.3), nasceu possivelmente em 1000 a.C. e a única menção que se faz dele é que tinha uma beleza singular, sem defeito. O destaque estava em sua cabeleira, que, sendo cortada, a cada ano chegava a pesar dois quilos. Quando faz menção à beleza de Absalão, o autor busca delinear certo perigo. No próprio texto é dito que a beleza de Bate-Seba chamou a atenção de Davi, a beleza de Tamar atraiu seu irmão e, sendo assim, o destaque da beleza de Absalão é vista como um perigo.

Não há qualquer pecado em ser belo. O texto de Gênesis diz que José era formoso, tanto de porte como de aparência. No hebraico, a palavra formoso é yapheh e fala de alguém elegante, lindo, bonito (Gn 39.6). Por causa disso, a mulher de Potifar o assediava constantemente, mas, como ele tinha compromisso e comunhão com Deus, não cedeu. Beleza, inteligência, eloquência sem o temor de Deus pode se tornar certo perigo, especialmente para aqueles que são sedentos pelo poder.

Em que Consistia a Causa da Revolta de Absalão

 Sem rodeio, podemos ratificar que a revolta de Absalão consistia em sua sede e ambição pelo poder. Isso faz com que ele trace planos maléficos para realizar seus intentos e concretizar seus desejos. Quem tinha primeiramente direito ao trono estava morto, Amnom; todavia, fala-se de Quileabe, que Davi teve com Abigail, mas crê-se que tenha falecido cedo, então se tem Absalão, que era de nascimento nobre, isso porque sua mãe era filha de um rei (2 Sm 3.3).

 Juntando a sede de poder com a beleza e o nascimento nobre, sendo que Davi já estava de idade avançada, Absalão não perde tempo. Acredita-se que ele tenha tido conhecimento da profecia de Natã, pois era algo veiculado naqueles dias e, quando ela foi dita, o prometido não havia nascido (2 Sm 12.7). Por essa razão, age com esperteza, conquistando o povo, tirando a lealdade dos servos de Davi, seu pai, para si mesmo, afirmando ter uma campanha melhor, que seu reinado seria mais justo (2 Sm 15.6; 15.2-4).

Existem muitos Absalões no meio eclesiástico, os quais podem facilmente furtar o coração daqueles que são leais ao verdadeiro Rei. Quantos não estão doentes espiritualmente porque foram iludidos, ludibriados por tais Absalões, os quais são sedentos pelo poder, grandeza! Não querem servir nem obedecer, antes aspiram a uma posição na igreja apenas para serem tratados como reis.

 A igreja deve tomar todo o cuidado com esses Absalões, cujos planos, a princípio, parecem vantajosos, mas, no final, comprometem sua vida espiritual, afastando-os do verdadeiro e bom Rei, Jesus Cristo. Todo líder sincero precisa ter cuidado com os Absalões que se espalham por aí. Devem agir de imediato e duramente contra eles, não deixando que seu veneno se espalhe.

II.           A REVOLTA DE ABSALÃO
A Fraqueza do Reinado de Davi

F. B. Meyer 60 afirma que, devido a seus pecados cometidos, de tudo que aconteceu na vida de Davi, havia muita vulnerabilidade, acumularam-se diversos processos. Os que buscavam o cumprimento de alguma causa não obtinham resposta, e isso gerou muito descontentamento. Tendo conhecimento do pecado cometido por Davi, da falta de procedimento sincero, muitos perderam a fé no homem segundo o coração de Deus. Supõem alguns estudiosos que nesse período, segundo os Salmos 41 a 45, Davi tivesse enfrentado algum tipo de doença. Seja o que for, o certo é que seu ambicioso filho aproveitou-se de todos esses pontos fracos para conquistar aquilo que mais seu coração queria: poder.

Diante de todas essas circunstâncias, Absalão dá início à sua revolta, lança uma campanha e vai ganhando força. O pai não percebe o tamanho da astúcia do filho e, já após quatro anos, quando voltou de Gesur, pois esteve ali com o seu avô, o rei Talmai, por três anos (2 Sm 13.30-38), pode-se crer que não foi em vão, mas, sim, planejando voltar, não por causa de um amor sincero e verdadeiro para com o pai, mas porque queria tomar o poder.

Absalão se programa organizadamente para colocar em prática o seu golpe e o faz com astúcia, furtando o coração do povo. Tudo isso vai acontecer porque Davi não era mais aquele homem que iniciou sua vida com humildade, sinceridade, comunhão com Deus, que o fazia ter sensibilidade espiritual. Mas, como foi deixando brechas em sua vida, tudo por causa de um desejo sexual desenfreado, chegou a sentenciar à morte um dos seus soldados de destaque. Os fracassos de Davi fizeram com que alguns de seus liderados não tivessem mais confiança nele, outros olhassem com suspeita para ele, daí a lealdade para com o grande rei ficou comprometida.

É sempre perigoso quando um obreiro vai deixando brechas em sua vida ministerial, o que pode ser elemento útil para os Absalões que estão sempre procurando oportunidade para desfazer de sua liderança, chegar ao poder. Nesse sentido, o mais importante é o líder fechar todas essas brechas, proceder fielmente em tudo, como fizeram Moisés (Nm 12.7), Samuel (1 Sm 12.3,4), Paulo (At 20.33,34). Está escrito em 1 Timóteo 3.1 que o bispo deve ser irrepreensível. Quer dizer que ele não deve deixar ocasião para que inimigos se aproveitem disso.

O Absalão Político

Os versículos 1-6 de 2 Samuel capítulo 15 mostram o quanto Absalão era politiqueiro, no sentido de usar processos não corretos para chegar ao cargo do pai. Sempre trabalhou com meios ilegais e, para chegar à presença do pai, usou de manipulação. Agora, querendo chamar a atenção do povo para si, em detrimento da autoridade do pai, lançou-se em uma grande campanha de conquista.

Absalão é visto como um ator que sabia fazer muito bem o seu show. De modo sutil, astuto, consegue chamar a atenção do povo. É claro, ele trabalha publicamente sua imagem e, para isso, começa com algo inovador, exibindo sua realeza com carrões e corredores diante de si. Com os batedores na frente, Absalão vinha lentamente no seu carro chamando a atenção de todos para o poder que exibia como príncipe. Esse homem vai proceder astutamente trabalhando nos pontos em que o reinado de Davi estava falhando. Vejamos:
 • Fazendo exibição de sua imagem. Ele era daquele tipo que apenas queria impressionar o povo, mostrar-se grandioso.
• Levantando cedo. Acredita-se que a corte de Davi não atendia bem cedo as pessoas, o que gerava uma falha. Então Absalão se coloca como uma pessoa diligente. Os que trilham o caminho de Absalão sempre se apresentam como eficientes em tudo; querem se mostrar mais atuantes do que o presidente da igreja.
• Buscando um lugar estratégico para ficar. Ele queria que todos o vissem, por isso postava-se à porta da cidade. Quem tem o espírito de Absalão quer ser sempre bem visto, faz seu trabalho para ser visto, aplaudido, não se esquecendo de que por trás de tudo isso há um interesse, o de chegar ao poder. Esse procedimento fere o que Paulo ensinou: que não se deve servir à vista para agradar aos homens (Ef 6.6).
• Querendo deixar uma boa impressão. Isso ele fazia demonstrando total atenção aos forasteiros que chegavam à cidade, especialmente aqueles que vinham com algum problema ou queixa para resolver.
 • Apontando fraquezas no reinado do pai. Ele dizia “teus planos e negócios são bons, mas não há da parte do rei ninguém que te ouça”. Podemos crer que tal informação não procedia, pois vemos em 2 Samuel 14.4-7 que o rei atendeu facilmente a mulher de Tecoa.
 • Apresentando-se como uma pessoa capaz. Isso pode ser provado quando ele diz: “Ah, quem me dera ser juiz na terra”. Com tal expressão afirmava ao povo que tinha muitas habilidades para julgar.

Portando-se como um rei. Absalão recebe os que entravam na cidade apertando a mão de cada um e, aos que traziam seus pedidos, com beijo. Na mente e no coração desse rebelde havia um sentimento de que ele já era rei, o que lhe faltava era o trono.

Muito tem se questionado por que Davi não reagiu diante dessa ação do seu filho, pois era declarado o que ele estava fazendo. Alguns supõem que o rei não agiu porque, diante de todo o seu trabalho, seu histórico de vida, julgou por si mesmo que a lealdade dos seus súditos seria algo firme, pois tinha conquistado o coração de cada um; que não se deixariam levar pelo comportamento disfarçado do seu filho rebelde. Um líder nunca pode descansar e achar que tudo está bem; antes, deve procurar orar e vigiar constantemente para não dar brecha ao inimigo, o senso de confiança, segurança demasiada é sempre perigosos.

 Davi havia perdoado Absalão de modo sincero e verdadeiro, mas ele não. Sua ação presunçosa e ardilosa era resquício do ódio contra o pai. Davi não atentou com seriedade para essa questão, pois seu filho estava furtando ou roubando o coração do povo, que não sabia o que estava por trás de suas ações.

Verdadeiros servos de Deus não procuram o poder, a grandeza; antes, quando procedem com humildade, servem com sinceridade, o Senhor os coloca no devido lugar. Foi isso que aconteceu com José, que jamais fez campanha para ser o governador do Egito, nem procurou se apresentar como o mais sábio, inteligente. Quando interrogado por Faraó sobre sua capacidade de interpretar, respondeu que nada disso vinha dele, mas de Deus (Gn 41.16).

Outro exemplo bem clássico na Bíblia é o de Mardoqueu. Ele fez uma boa ação salvando a vida do rei e, no tempo certo, foi honrado por Assuero, o rei, pois soube esperar e confiar no Senhor (Et 6.6). Verdadeiros homens de Deus jamais procedem como Absalão, traindo a confiança daqueles que primeiramente o ajudaram, falando aos outros aquilo que fez para ganhar destaque. Quem serve o rei deve proceder com amor, sinceridade e humildade, pois no momento exato quem o honrará é o dono da obra.

Proclamando-se Rei
A astúcia de Absalão é grandiosa. Lendo 2 Samuel 15.7-8, ele trabalhou quatro anos, não quarenta, como pontua o texto massorético, para implantar sua insurreição. Podemos crer que a expressão quarenta foi apenas um erro de escrita, visto que quatro no hebraico é arba, mas, no plural, arbaim, o que aconteceu foi apenas a inclusão do im. Todavia, é preferível a citação da Septuaginta e da Versão Siríaca, que mencionam também o número quatro.

Duas coisas podem caracterizar esse filho rebelde de Davi. Absalão, além de ter agudez de espírito, tinha paciência para esperar a execução de seu plano maléfico. Absalão trabalha de modo aparente, sem revelar o que está por trás dos seus projetos. É sob pretexto que diz ao pai que tem que voltar a Hebrom para cumprir um voto que havia feito com o Senhor. Observe que nesse particular ele revela uma piedade disfarçada para Davi, que é iludido, pois era perceptível algo errado. Como era possível, depois de quatro anos, agora é que ele queria ir agradecer a Deus por um voto feito? Por que não fez isso antes?


Na verdade, a ida a Hebrom fazia parte de uma estratégia de Absalão na execução do projeto de proclamar-se rei. Ele escolhe esse local por três razões: primeiro, havia nascido ali (2 Sm 3.2,3); segundo, foi nesse lugar que Davi iniciou seu reino; e, terceiro, tinha um tratado especial por parte da tribo de Judá, a qual o rebelde Absalão queria conquistar. O pai não percebeu nada do que o filho estava fazendo, mas façamos um correlato com o texto de 2 Samuel 13.23-27.

Absalão pede permissão a Davi para fazer um banquete e leva consigo uma parte da corte. Nesse segundo episódio, não convida o rei, o qual simplesmente diz: Vai-te em paz. Esse rebelde jovem parte para seu plano maléfico com aprovação do pai, sem saber que era uma trama para tirá-lo do poder e, daí, aproveita para aliciar as pessoas e buscar apoio, afirmando que o que fazia era segundo a aprovação do rei.

 Um pastor ou líder chamado por Deus não pode ser dominado pelo ciúme, nem perseguir os obreiros auxiliares, porém, tem que saber realmente quais são as intenções daqueles que o servem, que o auxiliam na obra. Paulo indicou Timóteo e confiava missão especial a ele porque tinha consciência daquilo que realmente movia o seu coração (Fp 2.19-21).

 Existem aqueles que buscam apoio para determinadas atividades tão somente para complicar a liderança geral, colocando cada membro contra o seu pastor-presidente. Por isso, faz-se necessário todo cuidado nesse particular. Não foi à toa que Paulo disse a Timóteo para que tomasse cuidado com Himeneu e Alexandre (1 Tm 1.20; 2 Tm 4.14,15).
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Estando em Hebrom, Absalão envia seus secretos emissários, mensageiros, do hebraico ragal, o qual ia à frente para levar uma mensagem; eles levariam a todo o Israel um sinal no qual se declararia, em um momento exato, a proclamação de Absalão como o novo rei, daí a expressão: “Absalão reina em Hebrom”.

 Em Hebrom, Absalão não estava só. Havia com ele duzentos homens selecionados, convidados especialmente por ele, mas o texto diz que eles não sabiam por que estavam lá, ou seja, do que tudo aquilo se tratava. O texto diz que eles foram na sua simplicidade. Isso fala forte a todos os que servem à liderança. Sempre é bom comunicar as coisas ao pastor-presidente da igreja antes de participar de qualquer movimento, evento; perguntar a ele se isso é do seu consentimento ou não, para evitar desgaste e comprometer também a sua vida.

Salomão disse que “O simples dá crédito a cada palavra, mas o prudente atenta para os seus passos (Pv 14.15). Observe que a palavra simplicidade, que aparece em 2 Samuel 15.11, no hebraico é tom, que quer dizer inocência, integridade. Por vezes, crentes sinceros e bons entram em conflitos, contendas dos rebeldes, porque não sabem de nada, são enganados.

Para mostrar aparentemente ao povo que o que fazia era correto, além dessas duzentas pessoas ele leva consigo um dos conselheiros de confiança do rei Davi, Aitofel de Gilo, uma cidade que se localizava a oito quilômetros de Hebrom. É bom lembrar que Aitofel era avô de Bate-Seba (2Sm 11.3; 23.34). Esse detalhe é importante para dizer que sua aliança com Absalão tinha motivo; ele queria vingar tudo o que Davi havia causado à sua família, incluindo o assassinato de Urias. Nessas circunstâncias todas, Absalão declarou-se rei.

A Lealdade dos Servos de Davi

Ainda que Absalão tenha tocado o lado emocional do povo com seu aparente interesse pelo bem de todos, está claro, nos versículos 15-37 de 2 Samuel, que Davi tinha homens fiéis e leais a ele. O coração de todo o povo segue Absalão, prova de que muitos aderiram à causa dele. Interessante que Davi era um líder que não pensava apenas em si. Ele foge da cidade porque teme que ela seja cercada e destruída, e porque também queria salvar sua tropa de soldados.

Davi era um guerreiro, um homem sempre preparado para a batalha, mas estudiosos afirmam que, devido ao seu pecado, a tudo o que Natã havia lhe dito, o quanto a espada estaria sobre ele, provocou nele desânimo, por isso foge. Antes de sair, deixa dez concubinas que ficariam para cuidar do palácio. Crê-se que o lugar para onde o rei foi com seus membros era denominado de Bete-Meraque, que quer dizer “a última casa”.

Mais uma vez faz-se destaque aos homens leais de Davi, aqueles que estiveram com ele ainda quando era fugitivo de Saul em Gate. Eles são identificados na narrativa como quereteus, peleteus, geteus; eram grandes amigos de Davi e soldados leais provenientes da Filístia. Esses soldados são descritos como os heróis ou valentes de Davi (2 Sm 16.6; 20.7; 23.8). Como é bom o pastor ou líder ter ao seu lado soldados leais, os quais permanecem sinceros e fiéis em todos os momentos, quer na bonança, no sucesso, quer na hora do sofrimento, na luta.

Um destaque especial se faz para Itai. Supõe-se que ele era o chefe do grupo dos 600 soldados valentes. Davi diz que ele tinha liberdade de voltar para o palácio e que ele e seus homens estariam livres de qualquer obrigação, porém não quiseram. Antes, Itai se compromete a ser leal a Davi na vida e na morte. Itai poderia ser um prosélito da fé hebraica, um homem de posição, mas em destaque, de verdadeira fidelidade e lealdade.

III.         A MORTE DE ABSALÃO

Coração de Pai

 Apesar de muitos falarem da falha de Davi como um líder no lar, não podemos esquecer que ele tinha um coração de pai. Isso se prova por duas ações: a primeira, quando perdoa Absalão e aceita sua volta, com intermédio de Joabe; é claro, o fato de Davi passar mais de dois anos sem admitir que Absalão entrasse em sua presença era uma forma de punição, mas logo se nota que a reconciliação de fato acontece (2 Sm 14.21-33). Outro exemplo bem claro de Davi como pai é quando ele ora, chora e jejua pelo filho que teve com Bate-Seba, quando a criança estava doente.

Lendo 2 Samuel 18.5, no momento em que é formada a comitiva dos soldados para perseguir Absalão e seu grupo, entra em cena novamente Davi com seu coração de pai e pede aos comandantes Joabe, Itai e Abisai que tratem brandamente, por amor a ele, seu filho Absalão. É possível que esse pedido de Davi tenha surgido porque, para ele, Absalão era apenas um menino. O ato de sua rebelião seria tão somente uma balbúrdia, uma traquinagem de jovem, que logo poderia ser perdoado, mas, para os soldados do rei, a situação era grave.

 Na verdade, o que expressa o sentimento de Davi como pai é que, diante da notícia que o cuxita trouxe da morte de Absalão, suas palavras levaram Davi a lamentar, mergulhar em um mar de tristeza, a chorar copiosamente, dizendo: “Meu filho Absalão [...] Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!” (2 Sm 18.33). Há opiniões de biblistas no sentido de que esse lamento do rei se devia a um sentimento de fracasso seu, por não ter sido um pai ideal para Absalão (2 Sm 18.19-33).

 O certo é entender que, nas Sagradas Escrituras, o pai, como figura nuclear, é também descrito como alguém que tem amor pelos filhos; dois episódios falam sobre isso. O primeiro é Abraão; o próprio Deus é quem diz, “Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas” (Gn 22.2). E o clássico, que é usado nas pregações evangelísticas, está em Lucas, na parábola do filho pródigo, em que o pai espera sempre a volta do filho para casa e com os braços abertos (Lc 15.20). Esses e outros textos evidenciam que pai de verdade tem amor e carinho para com seus filhos, desejando sempre o seu bem.

 O Preço da Rebelião de Absalão

O relato da morte de Absalão como preço por sua rebeldia acontece em 2 Samuel 18.1-33. É triste para um pai ter que formar uma organização militar para lutar contra o próprio filho. Creio que essa deve ter sido uma das mais duras batalhas travadas por Davi. O texto começa dizendo que ele organizou a tropa, dividindo os homens que tinha em três companhias, estando cada um dos comandantes à frente. Uma tropa ficava no campo de batalha, a outra tinha a missão de proteger o rei.

Davi queria estar à frente, ou seja, na companhia de Joabe e Abisai, mas eles acharam que não era bom, pois o rei valia mais do que uma brigada de mil homens, podendo, caso uma parte fosse derrotada, levantar outro grupo para entrar na peleja. Davi vê quando o exército sai para a batalha e então faz sua solicitação: que tratem Absalão com brandura. A batalha prossegue, e logo se tem uma matança de aproximadamente 20 mil homens, isso de ambos os lados, mas alguns perderam a vida por causa dos desfiladeiros das montanhas, onde havia muitos bosques.

 Absalão ficou frente a frente com os guerreiros de seu pai e procurou fugir montado em sua mula, que era sinal de realeza. Correndo o animal por entre os galhos, prendeu-se a cabeça e o cabelo do rebelde Absalão nos galhos e ele ficou pendurado. Um soldado conta a Joabe a situação do jovem, que de imediato vai até lá e o fere com três dardos no coração; depois os escudeiros usam contra ele a espada. Joabe não atentou para o pedido do rei, isso porque ele era um homem de temperamento forte e que buscava criar suas próprias leis.

O posicionamento rebelde de Absalão contra o pai era totalmente errado. Ele não estava cumprindo o que a lei ensinava, que os filhos deveriam obedecer aos pais e honrá-los. Assim, sua sina há de ser terrível por haver buscado trilhar o caminho da desobediência, o que, segundo a lei, merecia a morte, pois perdera o direito de viver (Dt 21.18,21,23; Gl 3.13). Os filhos jamais devem seguir o exemplo de Absalão, pois a maldição pode vir para sua vida; o certo é sempre andar em obediência aos pais em tudo, pois a bênção do Senhor os acompanhará.

60 MEYER F. B. Comentário Bíblico. Belo Horizonte: Betânia, 2002, p. 170.

O Governo divino em mãos humana 

                         - Osiel Gomes


                                 Resultado de imagem para Lição 12 - A Rebelião de Absalão


                     I e II Samuel


276 II SAMUEL geral aceito é que o texto fala de trabalhos forçados, não de tortura; as várias ferramentas e ocupações sugerem que Davi iniciou projetos de construção em todo o território amonita. Isso seria necessário a fim de consertar as fortificações danificadas na guerra recém-encerrada e, provavelmente, também para alojar suas próprias guarnições, cuja tarefa seria manter subserviente o povo conquistado. A volta do rei e do povo para Jerusalém assinala a conclusão do episódio. d. Tal pai, tais filhos ( ) O estupro de Tamar dá início a uma série de acontecimentos que dominam o final do reinado de Davi e ameaçam desonrá-lo completamente, de modo que ele quase perde seu trono, junto com o direito de indicar qual filho deveria sucedê-lo. O relato é detalhado e bem estruturado, com muitas marcas de observações diretas e de vívidas reminiscências. i. Amnom violenta sua meia-irmã Tamar ( ). O narrado apresenta dois filhos adultos do rei, que se revelam farinha do mesmo saco.1 Absalão é mencionado primeiro porque é sua irmã Tamar quem está no centro do drama, mas Amnom era o mais velho na família e, por isso, o herdeiro presuntivo (2 Sm 3.2-3). O rei já estava distanciado de tudo o que se passava entre os filhos de suas diferentes mulheres, e, por trás do próprio acontecimento, existe outra preocupação; a sucessão, pois Quileabe, o segundo filho de Davi (2 Sm 3.3), sai da história (não sabemos como ou por quê) e Absalão é o segundo na linha de sucessão ao trono Absalão, cujo nome recebe destaque no início do capítulo, irá dominar as cenas seguintes. Sua formosa irmã, trágica em sua corrigida para fê-los trabalhar com, mediante a ligeira alteração de r para d no verbo hebraico. A preposição a não é uma tradução comum do hebraico b, para o qual deve-se preferir com ou em. A b l h (veja também b j, p ib) incorpora esses pontos: fez o povo da cidade trabalhar com serras, enxadas e machados e fabricar tijolos. 1. Título do capítulo 5 de Fokkelman 1981, seção que trata de 2 Samuel
277 II SAMUEL beleza, é uma princesa real. Amnom, o príncipe herdeiro, a ama, mas, apesar de sua posição privilegiada, vê-se incapaz de possuí-la. A razão apresentada, sendo ela virgem, poderia ter significado, em outras circunstâncias, que ele estava livre para se casar com ela (c/ v. 13), mas ela era sua meia-irmã e, por isso, foi rejeitada tal possibilidade (Lv 18.9). Ou era isso, ou ele estava pretendendo ter apenas um relacionamento casual com ela; de qualquer maneira, Amnom não cogitou quebrar as convenções que, nesse assunto, regiam a sociedade em Israel. Em vez disso, angustiou-se... a ponto de adoecer, tanto que outras pessoas perceberam a mudança em sua aparência. 3. Tinha, porém, Amnom um amigo, sem dúvida alguma um con selheiro importante e influente, e um membro da família real: seu próprio primo, Jonadabe. Este é descrito como homem mui sagaz (,Jiãkãm, sábio, astuto ); o contexto determina a exata nuança da palavra, e aqui está faltando visivelmente seu sentido ético costumeiro. Ele era sábio no sentido de que sabia o que queria e como obtê-lo Jonadabe é suficientemente observador e percebe que algo está errado com o príncipe Amnom; ao descobrir que ele está perdido de amor, propõe um estratagema que não somente levará Tamar até ele, mas também tomará o pai deles responsável por isso. Quando teu pai vier visitar-te: evidentemente, ele tinha o hábito de visitar qualquer um dos filhos que estivesse doente e tendia a ser indulgente para com eles. Era um ato infantil por parte de um homem crescido fingir que só comeria o que aquele determinado membro da família fizesse especialmente para ele; a maioria das mães não teria tido paciência alguma com um pedido desses, mas parecia que não havia mal algum nisso, e Jonadabe contava com a complacência de Davi em relação aos filhos Tamar consentiu com o recado do pai e foi à casa de Amnom (sem dúvida levando consigo pelo menos uma dama de companhia), pronta para convencer o inválido a comer o delicioso alimento que ela lhe preparava. A cena é vívida; Amnom está na cama num quarto ao lado, mas é capaz de ver Tamar, e nós observamos (como se através dos olhos dele) a cozinheira trabalhando. Tomou ela a massa... fez bolos... e os cozeu: a palavra traduzida por bolos (Vbibôt) ocorre só neste capítulo, e o termo traduzido por 279
278 II SAMUEL cozeu seria mais correto como cozinhou em água. Está implícito algum prato especial para doentes, porém ele recusou comer. Seu pedido original (v. 6) tinha sido de dois Fbibôt, a palavra é derivada do hebraico lêbãb, coração, o que deixa implícito algo como fôrmas de coração, sinal que Davi não captou. Amnom não consegue pegálos, pois está fraco demais. Tudo faz parte da encenação. Tão doente, ele não consegue suportar todas as pessoas em volta e, desse modo, faz com que seja deixado a sós com Tamar Amnom continua a fazer o papel de doente, que não tem forças nem mesmo para se alimentar. Sua irmã obsequiosa, aparentemente sem suspeitar de nada, aproxima-se da cama dele, e é agarrada: pegou dela (yahazeq) é um verbo hebraico forte, com o sentido de apoderou-se (cf. 1 Sm 17.50, prevaleceu ). Ainda assim, ele fala de maneira amorosa, chamando Tamar de minha irmã, termo que era empregado de modo figurado para designar a amada (Ct 5.1), embora aqui isso ocorra com ambigüidade, visto que Tamar era meiairmã Tamar, pega na armadilha, tenta arrazoar com o irmão. Ela recusa a sugestão dele com base em três pontos: a opinião pública de Israel era contrária ao estupro, descrito como hanrfbãlâ hazzô t, tal loucura (cf. Gn 34.7); ela não teria nenhum futuro; e nem ele, porque seria considerado um dos loucos (hanrfbãlim; cf. o nome Nabal em 1 Sm 25). Acaso era esse o tipo de pessoa que Israel queria como rei, um homem sem princípios, que tomava a lei em suas próprias mãos e ofendia os padrões habituais de moralidade do país? Finalmente, ela faz sua sugestão: Amnom devia, da maneira correta, pedir sua mão ao pai e casar-se com ela; o rei não o recusaria. Embora a lei de Levítico 18.9 proibisse uma união assim, sem dúvida seria preferível ao estupro; se Sara era meia-irmã de Abraão, havia um precedente, e Tamar estava se apegando a qualquer saída para sua difícil situação. Todos os argumentos mostram-se inúteis diante da intensa paixão de Amnom, que era uma imitação grotesca de amor (v. 1), e ele a violentou. 15. A repentina mudança de amor para ódio e rejeição, Levantate, vai embora, é cruel, acima de tudo para Tamar, mas também em sua revelação da pessoa desajustada que era Amnom: 280
279 II SAMUEL O ato de violência perpetrado por Amnom revela-o como alguém incapaz de se relacionar e um egoísta grosseiro. O pior para ele é que há uma testemunha presente, e Tamar é justamente essa testemunha. A partir daí, ele não conseguirá mais olhar para ela, pois isso seria um encontro repetido, extremamente vergonhoso, revelador e intolerável, seria um confronto com suas próprias fraquezas como pessoa Uma vez mais Tamar tenta persuadir o irmão a raciocinar: ele está aumentando a maldade de seu ato ao rejeitá-la depois de todo seu amor fingido. Embora sendo princesa, ela é sumariamente lançada para fora da presença de Amnom e, de maneira vergonhosa chamada de esta. Fecha a porta após ela era a tentativa de Amnom de se livrar até mesmo da lembrança de Tamar, a quem ele tanto desejara anteriormente. O relacionamento, se é que houve algum, acabara. 18. Tamar está vestida como uma filha solteira do rei, o que se percebe por sua túnica talar de mangas compridas. Isso faz lembrar a túnica de várias cores (Gn 37.3, ARC, IBB) ou túnica talar de mangas compridas (ARA, IBB mg.) que José ganhou; embora os detalhes sejam obscuros, o vestido era sem dúvida esplêndido, mas tudo o que ele representava havia desaparecido para sempre. Quando o servo de Amnom fechou a porta após ela, Tamar sabia, em seu íntimo, que a porta do casamento estaria para sempre fechada para ela. 19. O sentimento de abandono experimentado por Tamar era, em todos os aspectos, tão grande quanto o de luto; daí as manifestações de tristeza que todos que a encontravam podiam ver e ouvir. Pelo menos, não houve para ela qualquer repressão doentia de mágoas, embora seu futuro fosse triste. Seu rosto marcado por sinais de sujeira (c/ 1 Sm 4.12), suas vestes rasgadas (c f 2 Sm 1.2) e seus gritos descreviam eloqüentemente a terrível perda; pôs as mãos sobre a cabeça é um gesto mencionado em Jeremias 2.37, mas em esculturas em relevo e pinturas de túmulos isso parece simbolizar o cativeiro.2 1. Assim pensa Fokkelman 1981, p , que num trecho onde revela profunda intuição, explica o comportamento irracional de Amnom. 2. ANEP, ilustrações 634 e
280 II SAMUEL Ao vê-la, Absalão logo presumiu acertadamente o que havia acontecido e fez o melhor que pôde para consolá-la, não dando muita importância à experiência da irmã. Ele empregou uma forma diminutiva do nome de Amnom ( amínôm), talvez utilizada em família1 e, ao lembrar que era seu irmão, deixou implícito que ela não devia clamar por justiça, mas deixar a questão com ele. Tamar refugiou-se na casa de Absalão, desolada (sõmêmâ), afastada da sociedade, desqualificada para o casamento, embora não por culpa sua. Davi reagiu irado à ofensa, mas não quis castigar o seu filho Amnom, porque o amava por ser o seu primogênito (a BJ acrescenta essas palavras, existentes no texto da LXX). A semelhança de Eli e Samuel, Davi de fato perdeu o controle sobre os filhos, e seu próprio mau exemplo inibiria qualquer protesto contra Amnom. Absalão, contudo, mostrou sua desaprovação, recusando-se a ter qualquer relacionamento com Amnom e, alimentando uma raiva secreta, esperou uma oportunidade de vingar o mal cometido contra a irmã. ii. A vingança de Absalão ( ). 23. Decorridos dois ano inteiros (IBB): com todas as diversas atividades que exigiam a atenção do rei, Davi e os demais teriam esquecido a terrível situação de Tamar, mas não Absalão, que agora tinha prontos seus planos. Há muito tempo a tosquia de ovelhas era considerada uma época própria para comemorações (Gn 38.12, 13; cf. 1 Sm 25.2, 36). As ovelhas de Absalão estavam sendo tosquiadas num lugarejo junto a Efraim, freqüentemente identificado com Ofra, uma localidade mais conhecida, a nordeste de Betei. A NEB traz Efrom, outro nome do mesmo lugar (2 Cr 13.19), mas a NIV traduz Efraim como a tribo, perto da fronteira de Efraim, o que indicaria um local um pouco mais ao sul Embora pareça que Absalão insiste para que o rei esteja presente com seus empregados nas festividades, ele deve ter esperado que seu convite não seria aceito. Se o rei não for, então Amnom, o príncipe herdeiro, deve ir para representar o pai. Davi parece relutante, mas finalmente cede, permitindo que todos os seus filhos participem 1. Hertzberg, p. 321, sugere que talvez essa forma signifique um diminutivo irônico. 282
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281 II SAMUEL do banquete, que em alguns manuscritos é descrito com uma frase adicional: e Absalão fez um banquete como o banquete de um rei.1 0 comentário é importante devido à sua possível insinuação de que Absalão estava dissimuladamente pedindo que fosse reconhecido como o seguinte, logo após Amnom, na linha de sucessão ao trono (c f 1 Sm 25.36, onde se emprega a mesma expressão com referência a Nabal). Desse modo, a morte de Amnom atenderia a um duplo objetivo de Absalão, que, com sua autoridade, ordenou a seus empregados que assassinassem Amnom, embora este fosse o príncipe herdeiro representante do rei, meio-irmão de Absalão e convidado. Uma traição dessas merecia o mais extremado castigo. É compreensível, portanto, que os assassinos precisassem de palavras extras de ânimo, não temais... e os outros príncipes foram embora em seus mulos reais, fugindo de Absalão No meio do pânico e do terror, um mensageiro levou ao palácio um relato confuso dos acontecimentos: Absalão feriu a todos os filhos do rei e, com ainda mais ênfase, nenhum deles ficou, como se para compensar certo grau de incerteza. O rei, contudo, interpreta o comunicado literalmente e fica tomado de tristeza. Acaso não havia ele contribuído para este terrível acontecimento, ao permitir que todos os seus filhos, e em especial Amnom, deixassem a capital? Os cortesãos de Davi prantearam junto com o rei prostrado Mas um deles afirmou que percebera o que estava acontecendo. Jonadabe, que dois anos antes tinha aconselhado Amnom, podia afirmar com segurança que só Amnom fora morto. Ele estava convencido de que essa era a vingança de Absalão por causa do estupro de Tamar, ato do qual ele se distancia.2 Baseado nisso, ele procurou se afastar dos pranteadores e, um tanto quanto em vão, animar o rei. A 1. L x x e 4QSama. Os tradutores da b l h e da BJ incorporaram o acréscimo ao texto. Cf. Gordon, David s Rise and Saul s Demise, p. 46, nota Fokkelman 1981, p. 109, assinala que Jonadabe não poderia ter predito como Tamar reagiria, nem como Amnom escolheria a opção mais drástica: Considero improvável que o Jonadabe de tivesse premeditado cinicamente o estupro, O engano que ele propôs, algo que se reconhece não ser moralmente muito aceitável, tinha o propósito de conseguir um encontro a sós entre Amnom e Tamar. 283
282 II SAMUEL morte de Amnom já era motivo suficiente para a tristeza de seu pai. 34. Absalão fugiu: enquanto mensageiros aproximavam-se de Jerusalém, ele fugia na direção oposta. Nesse ínterim, a sentinela informa sobre a aproximação de uma grande multidão pela estrada de Horonaim (BLH). O nome baseia-se na LXX, referindo-se à Bete- Horom Inferior e à Bete-Horom Superior, a noroeste de Jerusalém. A LXX acrescenta: Ele foi até o lugar onde o rei estava e disse: Alguns homens estão descendo o monte, na estrada de Horonaim (BLH, que incorpora este acréscimo no texto). Os detalhes permitem que o leitor também participe do suspense provocado pela falta de informações mais concretas Jonadabe reconheceu os príncipes e observou que estava certo. Todos os demais na corte prantearam o príncipe morto. 37. Absalão, porém, fugiu, e se foi a Talmai, seu avô por parte de mãe, que era rei de Gesur, um estado-tampão entre Israel e a Síria, ao norte de Gileade (2 Sm 3.3). Lá, ele escapou de ser julgado, mas ao mesmo tempo teve de abrir mão de toda probabilidade de herdar o trono de Israel. Enquanto isso, seu pai continuou pranteando seu filho: presumivelmente Amnom, embora haja ambigüidade aqui. 38. Assim Absalão fugiu: a repetição, muitas vezes vista pela mente ocidental como redundância, deve ser interpretada como um recurso que permite enxergar a mente do narrador: a situação chegou a um impasse. O rei Davi é incapaz de castigar o ofensor; Absalão é incapaz de voltar. O leitor fica curioso em saber como o problema é resolvido depois de três anos, pois a menção do período de permanência de Absalão no exílio implica sua volta. 39. Este versículo constitui uma transição entre os acontecimentos que acabaram de ser relatados e os novos desdobramentos do capítulo seguinte. O hebraico aqui tem sido descrito como intraduzível,1 sendo inevitável alguma emenda, mas o sentido é que o passar do tempo atenuou os sentimentos de amargura. Davi teve de se conformar com a perda de Amnom, porque ele estava morto. Absalão, 1. Driver 1913, p O verbo está na forma feminina, o que implica um substantivo feminino como sujeito; daí a emenda de Davi para a palavra rüah, espírito (bj), que não é muito diferente no texto consonantal. 284
283 II SAMUEL 14.1 todavia, no que diz respeito a seu pai, podia ter morrido também; Davi ansiava vê-lo, mas não o chamava. Seu amor e seu senso de justiça não se conciliavam, de forma que, dividido entre um e outro, nada fez. Talvez seja significativo que Davi, que acertadamente se conteve e não agiu contra Saul quando era mais moço, tornou-se culpado como rei por deixar de executar justiça dentro de sua própria família. Um motivo estava relacionado com seus próprios erros, que ele podia ver reproduzidos em seus filhos; outro era fruto de seu amor pelos filhos, os quais, mesmo assim, não tinham nenhum escrúpulo em enganá-lo e levá-lo a fazer o que desejavam, envolvendo-o em seus planos malignos. A profecia de Natã, de que a espada jamais se afastaria da casa de Davi, já estava se cumprindo na experiência do rei.1 Ui. A ousada iniciativa de Joabe ( ). Não se podia permitir que o impasse que mantinha Absalão no exílio, agora o herdeiro do trono, continuasse indefinidamente, mas, mesmo assim, o rei nada fazia. Entre os seus conselheiros, ninguém, mais do que Joabe, estava em melhores condições de influenciar o rei, mas até ele hesitou em apelar diretamente a Davi e, preferindo utilizar uma parábola jurídica, como aquela que Natã havia usado (2 Sm ), pô-la na boca de uma mulher que buscava proteção especial por parte do rei. Desse modo, ele podia pegar o rei desprevenido, tendo maior probabilidade de atingir seu objetivo. 1. A ambigüidade observada em 2 Samuel surge de nov neste versículo, porque o coração do rei começava a inclinar-se para ( al) é mais naturalmente traduzido por contra Absalão (cf Dn 11.28, contra [ al\ a santa aliança ). O juiz supremo sentia-se obrigado a castigar o assassino. A obrigação pesava ainda mais tendo em 1. 2 Samuel permite outra tradução, que inverte o sentido: Davi ansiava ardentemente marchar contra Absalão, pois estava triste por causa de Amnom, que estava m orto (K. Jongeling, citado em Fokkelman 1981, p. 126), Embora essa tradução seja possível, é difícil entender por que, se Davi estava para marchar contra Absalão, ele já não o tinha feito, ao invés de esperar dois anos inteiros. O passar do tempo tornava a empreitada bem mais difícil, ao invés de mais fácil. Além disso, o estratagema de Joabe não faria sentido, se a interpretação de Jongeling estivesse correta. 285
284 II SAMUEL vista que Absalão era o herdeiro do trono. Nesse caso, mais do que em qualquer outro, precisava-se ver que a justiça fora feita. Todavia, em meio a tudo isso, Davi relutava em pegar em armas e capturar seu filho. Ironicamente, estava chegando o momento em que esse filho pegaria em armas contra o pai O estratagema de Joabe permitiu que o rei visse objetivamente a situação e, assim, com um novo enfoque do assunto, chegasse a uma decisão. Tecoa ficava a somente oito quilômetros de Belém, sendo a terra natal de um dos homens valorosos de Davi (2 Sm 23.26). Evidentemente, Joabe conhecia tanto a cidade quanto esta mulher sábia, que tinha a habilidade de desempenhar um papel e insistir, mesmo com o próprio rei, até que tivesse concordado com ela. Embora Joabe tivesse determinado como ela deveria se vestir e que palavras diria, ela precisava de toda sua sagacidade e tato para se defender frente à reação do rei, que não se podia prever. Por fingir que vinha há já muitos dias... de luto por algum morto, ela pôde contar com a solidariedade do rei, que não se esquecia da morte de Amnom A mulher chega para apresentar seu caso diretamente ao rei, acessível aos cidadãos cuja queixa não foi resolvida de maneira satisfatória pelos juizes locais. Salva-me, ó rei (llôsi ã) é a súplica da viúva que, não tendo quem a defendesse, se vê desamparada e clama por proteção Dois filhos... um feriu ao outro, e o matou: sem dúvida, o caso paralelo em sua própria família só podia fazer Davi se lembrar de suas próprias tristezas. Toda a parentela se levantou contra a tua serva, exigindo justiça de acordo com a lei pela qual a vítima de um assassinato devia ser vingada:... será morto aquele que o feriu (Nm 35.21). Aqueles que clamavam pela pena de morte tinham a justiça a seu lado, mas a mãe amava o filho, de quem dependiam todo o futuro dela e também o de seu falecido marido. Ele era a brasa que restava numa fogueira que se apagava. Joabe tinha descrito com muita habilidade o conflito que imobilizava o rei. Como Davi reagiria? O juiz-monarca deseja solucionar o caso o mais rápido possível, assegurando à mulher: eu darei ordens a teu respeito; contudo, não será tão fácil dispensar a mulher. A culpa... caia sobre mim: ao as- 286
285 II SAMUEL sumir a culpa, a mulher deixa implícito que ela continua vulnerável em face das exigências da família, as quais o rei ainda não levou suficientemente a sério. Embora o rei se comprometa a tomar providências contra qualquer um que se tome agressivo com a mulher, ela pede isso em juramento:... que os vingadores de sangue não se multipliquem a matar. O vingador (gõ*el) ficará intimidado com a menção do Senhor teu Deus e levará a sério a palavra do rei, que declara: Tão certo como vive o Senhor... e assim protege a vida do filho. Deste ponto em diante, embora sem perceber, Davi está comprometido a proteger a vida de Absalão, a despeito da pena de morte por causa do fratricídio. 12. Mesmo agora, a mulher continua tendo diante de si a parte mais delicada de sua missão: aplicar o caso ao rei e ao filho deste. Para isso, ela solicita outra permissão para falar. 13. O franco ataque ao rei, por que pensas tu doutro modo..., causa um choque no leitor, como também deve ter acontecido com Davi. O que será que ele fez contra o povo de Deus, seus súditos? A mulher o acusa do exílio de seu desterrado, o filho que lhe tinha causado sofrimentos, e assim toca a ferida do rei. 14. Temos de morrer, e mesmo assim, em sua história, a mulher estivera relutante em deixar que seu último filho morresse. O rei havia decretado misericórdia; de igual modo, Deus não tira a vida daquele [Davi] que cogita meios para não manter desterrado o seu banido (RSV ). Essa mulher corajosa ousa falar da misericórdia de Deus e contrastá-la com a falta de misericórdia do rei para com seu filho, que equivale a apagar sua brasa (v. 7) e a águas derramadas na terra, ou seja, provocar sua morte prematura. Ela alega falar em nome de todo o povo, que está na expectativa de que o rei encontre algum meio de trazer o exilado de volta A essa altura, a mulher muda sua abordagem, retoma sua própria história e toma-se respeitosa em sua fala ao rei, a quem ela descreve como libertador, homem esclarecido como um anjo de Deus. Sua oração, onde pede a presença de Deus junto ao rei, torna improvável que Davi se oponha ao que ela disse e, ao mesmo tempo, aponta para as difíceis decisões em que o rei precisará da ajuda do Senhor seu Deus. Com astúcia, ela mais uma vez deixa de lado seus próprios interesses e focaliza os do rei, mas num contexto de apoio. 287
286 II SAMUEL A essa altura, o rei começava a imaginar o que estava por trás da longa entrevista. Por intuição, ele sentiu que ainda não havia ido a fundo no caso e suspeitou da interferência de seu sobrinho Joabe. Há um momento tenso quando o rei pergunta a respeito disso, e a mulher reconhece a astúcia de Davi antes de admitir que Joabe de fato havia sido o autor do papel que ela representara. Mas a motivação dele havia sido a de mudar o aspecto deste caso, livrando o rei de um impasse; dessa maneira, ele estava agindo como teu servo, e a mulher é tua serva. Com uma menção aduladora da sabedoria do rei, a mulher conclui sua audiência. Sua história fictícia funcionou, e a mulher atingiu seu objetivo Joabe, que evidentemente vinha acompanhando bem de perto todo o episódio, tomou o lugar da mulher e ouviu o pronunciamento real: Atendi ao teu pedido. O rei sabe que foi astuciosamente conduzido em um curso de ação que agora é incapaz de evitar, porquanto isso se baseia em seu juramento, mas ele não protesta contra a audácia de Joabe; em vez disso, dá a Joabe a responsabilidade de trazer de volta a Jerusalém o jovem Absalão. Davi insiste em pensar no filho como um jovem (na ar\ cf. 2 Sm 18.5, 12) e, desse modo, deixa de lhe conceder a posição a que já tinha direito devido à idade; ao mesmo tempo, é demasiadamente tolerante em sua atitude frente ao crime cometido por Amnom. Por essa razão, ele é incapaz de aceitar Absalão de volta à sua presença, mas continua a mostrar seu desfavor, banindoo para sua casa. Embora, quando reage à história da viúva, Davi tenha permitido que a compaixão triunfe sobre a justiça cega, ao aplicar o princípio às suas próprias circunstâncias ele não consegue chegar a tal ponto. Conforme se vê depois, isso foi contra os melhores interesses de Davi, pois o filho ressentiu-se da aceitação limitada e reservada que o pai lhe dera, reagindo com hostilidade A situação não melhorou por causa da aparência atraente de Absalão, que o colocava numa categoria à parte. Ele era tão belo que ofuscava todas as outras pessoas. A descrição extravagante dá a impressão de que aquele homem era totalmente obcecado pela aparência, especialmente por seu cabelo, que cortava todos os anos e cuidadosamente pesava, registrando as estatísticas de acordo com os pesos oficiais do rei (aproximadamente 2,5 kg). Ironicamente, seria seu ca 288

287 II SAMUEL belo que, numa ocasião futura, provocaria sua morte. A menção de seus filhos e de sua adorável filha sugere a popularidade dessa família orgulhosa e vistosa, mas o nome Tamar serve como lembrete de advertência sobre a irmã violentada de Absalão, em cuja homenagem ele deu o nome à filha A introvisão da personalidade de Absalão aumenta nossa sensação de incômodo diante do fato de que, durante dois anos inteiros, Davi, por não se relacionar com Absalão, deu ao filho ampla oportunidade de minar a autoridade real e estimular o apoio para si próprio. Seu egoísmo seria alimentado pela sensação de ultraje, por ter sido trazido de volta à capital só para ser ignorado pelo pai, enquanto o público o tinha em alta estima. A dupla recusa de Joabe em atender às suas convocações foi a gota d água, e o campo de cevada em chamas simbolizou a raiva de Absalão e ao mesmo tempo levou Joabe às pressas até o filho do rei, exigindo uma explicação Absalão sabe como abrir caminho em meio à oposição. Joabe, que só tivera sucesso parcial em sua primeira tentativa de reconciliar Absalão com o pai, relutava em se envolver ainda mais, porém Absalão vê nele sua única esperança. Afinal, fora ele quem o trouxera de Gesur, mas na verdade sua volta não havia resultado em nada. Agora, depois de cinco anos, ele quer que Joabe leve uma mensagem para solicitar uma audiência com o rei:... se há em mim alguma culpa, que me mate. Parece que Absalão alega estar livre de culpa (cf. 1 Sm 20.8); ele pode ter convencido a si mesmo de que estava vingando um erro ao matar Amnom e de que não precisaria castigar o irmão caso seu pai tivesse cumprido seu dever e pronunciado sentença contra Amnom. O fato de que Davi não havia feito isso dava-lhe motivos para pensar que o rei também não determinaria sua morte. O rei concedeu uma audiência a Absalão. A descrição curta e formal é em si mesma significativa. Embora termine com o rei beijou Absalão, não há tentativa alguma de vencer o abismo entre pai e filho. Cada um vê a culpa do outro, sendo frio e não estando disposto a perdoar, mas pelo menos foi dado um pequeno passo na direção da reconciliação: Absalão veio à presença do rei e prostrou-se perante ele. A pergunta é: no futuro, ele permanecerá leal ao rei? O rei beijou o filho perdido havia muito tempo, mas, na ausência de uma conversa entre os 289
288 II SAMUEL dois, o que isso indica? Quando José se revelou a seus irmãos, houve muito pranto e troca de notícias; José havia se preparado para o encontro ao meditar sobre sua própria experiência da bondade de Deus, a qual lhe permitiu que, sinceramente, oferecesse seu perdão aos irmãos (Gn ). No caso de Absalão e do rei, o relacionamento permaneceu praticamente num impasse, e nenhum dos dois lados teve a iniciativa espiritual de rompê-lo. iv. A revolta de Absalão ( ). 1. Depois disto Absalão fe aparelhar para si um carro...: embora tivesse manipulado seu caminho para chegar à presença do rei, ainda assim Absalão não estava satisfeito e lançou-se deliberadamente a minar a autoridade do pai, aumentando seu próprio prestígio. Nisso, sua habilidade teatral e sua perspicácia para chamar a atenção, junto com sua já marcante imagem pública, asseguraram um elevado grau de sucesso. A topografia de Jerusalém era muito inadequada para carros e cavalos. A decisão de Absalão de usá-los o distinguia como inovador, mas os 50 batedores à frente de seu carro impediam uma velocidade maior e, por outro lado, conseguiam um esplendor sem precedentes para um príncipe ambicioso O político Absalão tinha um plano predeterminado que perseguia sem quaisquer escrúpulos. Ele se levantava cedo (IBB), um sinal de perspicácia e diligência. (Será que começar tarde era característica da corte de justiça de Davi?) Colocando-se num ponto estratégico próximo de uma porta da cidade, Absalão atraía a atenção mostrando profundo interesse pelos forasteiros que entravam na cidade. A conversa resume sua abordagem costumeira, feita para impressionar o israelita que viesse à capital com alguma queixa. Aqui está alguém pronto a ouvir e ávido por corrigir os erros do país. Desse modo, ele conquista o apoio popular. Contudo, Absalão vai muito além. A informação que ele dá, não tens quem te ouça da parte do rei, desorienta e é até mesmo enganosa em sua intenção, porque essas pessoas vieram apresentar seu caso perante o rei e fica claro, com base na maneira como a mulher de Tecoa foi recebida (2 Sm ), que o rei atendia pessoalmente aqueles que pediam seu julgamento. Pelo que sabemos, talvez houvesse demora, 290
289 II SAMUEL mas nunca se havia discutido a existência de um representante do rei. A audácia de Absalão, ao dizer a esses forasteiros ah! quem me dera ser juiz na terra!, mostra seu elevado conceito de suas habilidades. Aquilo em que ele mais pensava, claro, era sua própria importância, e não a responsabilidade de fazer julgamentos justos em casos difíceis. Atendia a seu propósito o ato de fazer as pessoas crerem que estavam com a razão. Finalmente, descreve-se Absalão sendo tratado respeitosamente como se fosse rei, mas que rei! Ele recebe seus súditos com um aperto de mãos e honra com um beijo cada pessoa que trazia um pedido. Contudo, isso faz lembrar a situação em que seu pai se reconciliou com ele!... Agora, ele está desfrutando a situação inversa centenas de vezes e, ao fazê-lo, já está experimentando secretamente seu próprio reinado. 1Em seu próprio pensamento, ele já é rei. A julgar pelas aparências, parece estranho que Davi tivesse deixado ocorrer toda essa subversão. Com toda aquela inconfundível movimentação na corte, é inconcebível que Davi não soubesse o que Absalão estava fazendo. Contudo, será que ele se sentia seguro quanto ao lugar que ocupava no coração do povo e julgava que poderia, com toda certeza, tolerar o comportamento fingido de seu filho presunçoso? 6. O comportamento teatral de Absalão era uma expressão d seu profundo ressentimento contra o pai, e Davi devia levar isso muito a sério, pois ele furtava o coração dos homens de Israel, que não conseguiam enxergar a divulgação pretensiosa que Absalão fazia de si mesmo. Para o povo, o interesse pessoal não permitia suspeitar dos motivos de Absalão. Acaso ele não favorecia o pobre na terra e pretendia fazer justiça para todos? 7-8. Ao cabo de quatro anos,2 Absalão executou todos os seus bem elaborados planos de rebelião. Ele era muito perseverante e podia ficar à espera. As últimas palavras com seu pai foram uma encenação de piedade, mas eram superficiais. Por que Absalão esperou quatro anos antes de render graças por seu retomo? Hebrom podia ser expli- 1. Fokkelman 1981, p Os tradutores e comentaristas são praticamente unânimes em preferir a evidência de alguns manuscritos da LXX, da Siríaca e de Josefo, que trazem quatro, ao hebraico, que lê quarenta. 291
290 II SAMUEL 15.9 cada como um local importante para ele, pois havia nascido ali (2 Sm 3.2, 3). Também era o lugar onde Davi havia iniciado seu reinado, mas isso não vem à tona enquanto Davi escuta a fala de seu filho, cuidadosamente planejada e na qual o Senhor aparece três vezes. Anteriormente, Absalão havia pedido licença para levar a maior parte da corte a um banquete (2 Sm ); desta vez, ele nem mesmo convida o rei, mas, tal como antes, pretende privá-lo da maioria dos que o apóiam. Ainda assim, parece que Davi de nada suspeita. 9. Vai-te em paz é a palavra derradeira de Davi a seu filho, que ironicamente sai a fim de se preparar para a guerra contra o pai.1visto que ele havia partido com a aprovação real, abafar-se-iam as suspeitas quanto às suas atividades, e ele ganharia tempo para ajuntar em todo o país pessoas que o apoiassem Deste ponto em diante, Absalão assume o controle; seus emissários secretos são dispostos de tal maneira que as trombetas (sópãr, chifre de carneiro ) ressoem por todo o país à medida que cada um atende ao chamado com as palavras Absalão é rei em Hebrom. O golpe de estado, anunciado quase simultaneamente a todas as tribos, faz com que toda oposição pareça inútil. Enquanto isso, os duzentos homens convidados, provenientes de Jerusalém, não suspeitavam de nada e, por isso, davam aos fatos um ar genuíno de normalidade. Quando perceberam o que acontecia, foram pegos no redemoinho dos acontecimentos, sem condições de intervir. 12. Aitofel, o gilonita, do conselho de Davi, era avô de Bate-Seb (cf. 2 Sm 11.3 com 23.34). Ele não estava em Jerusalém, mas em Giló, um vilarejo nas proximidades, nas colinas ao norte de Hebrom, e se tornara traidor do rei. Para aflição do rei, toda a capacidade e a experiência de Aitofel estavam nas mãos de Absalão (v. 31). Enquanto isso, Absalão oferecia os seus sacrifícios e, nas aparências, adorava o Senhor seu Deus, mas sua mente estava fixada em seu futuro imediato e no número cada vez maior de pessoas que lhe davam apoio. En- 1. Wiseman, Is it peace?, p. 323, assinala que vai-te em paz podia ter, pelo menos em sua origem, uma gama de significados dentro dos procedimentos de estabelecimento da aliança... Parece que o uso predominante era o de conclusão de negociações bem-sucedidas. 292
291 II SAMUEL quanto os convidados desfrutavam o banquete, eles gradualmente eram cercados de todos os lados por recém-chegados. A estratégia de Absalão fora impecável, assegurando o sucesso da conspiração contra seu pai, de quem muitos dos melhores homens estavam em Hebrom, envolvidos com Absalão (quer gostassem disso, quer não). 13. O rei soube da rebelião do filho não devido a um sinal de ch fre de carneiro, mas mediante um mensageiro leal, que havia observado a amplitude do apoio a Absalão Davi ordenou a evacuação imediata da cidade, pois não estava em condições de defendê-la. Tranqüilizado quanto à lealdade de seus servos, o rei e toda a sua casa, com exceção de dez concubinas, que deveriam cuidar de tudo, fugiram do palácio real que Davi construíra com cedro. Nestes versículos e nos seguintes, o narrador referese a Davi como o rei repetida e deliberadamente Uma vez fora da cidade, o rei pára, a fim de fazer uma avaliação e assegurar-se de quem o está acompanhando. E um verdadeiro desfile militar, uma revista de servos e tropas de grande valor, cujos anos de lealdade faziam-nos duplamente preciosos numa emergência como essa. O fato de que as tropas estrangeiras {çf o comentário sobre 2 Sm ) são postas à parte para receber menção especial é esclarecedor. Elas são leais, mesmo quando o próprio filho de Davi o abandona Davi se recusa a crer de imediato na disposição de um recém-chegado de suportar a vida dura e os perigos que aguardam o rei fugitivo. Itai, o geteu, indivíduo proveniente de Gate e, portanto, filisteu, é um exilado que escolheu vir com um grupo para se unir a Davi, que percebe que eles não previram a reviravolta. O rei oferece a Itai, portanto, a chance de voltar e servir de maneira mais normal na cidade. Tal ponderação numa hora de tensão revela Davi em seu auge. As palavras misericórdia (hesed) e fidelidade ( emet), tão reminiscentes da aliança divina e opostas à experiência que Davi atravessava, são, assim mesmo, o que ele deseja para esse soldado filisteu. Em sua resposta, Itai revela-se uma pessoa que crê, para quem o amor e a fidelidade eram bens supremos. Seu tocante juramento de lealdade, seja para morte seja para vida, ajuda muito a compensar a traição dos conspiradores e a estimular Davi quando este se encontra no fundo do poço. 293

292 II SAMUEL A menção de todas as crianças serve como lembrete de que famílias inteiras estavam fugindo da cidade. A procissão já havia alcançado um marco conhecido, a última casa (v. 17) antes do ribeiro Cedrom, a leste da cidade.1 Davi estava se dirigindo para a margem leste do Jordão, uma viagem que fez os refugiados passarem pelo monte das Oliveiras e entrar no deserto, região inóspita que ficou famosa com a parábola de Jesus sobre o bom samaritano. 24. Por fim, Davi toma uma decisão quanto ao papel a ser desempenhado pela arca de Deus e por aqueles que a ela servem, os sacerdotes Abiatar e Zadoque e os levitas que os acompanhavam. Abiatar havia se revelado confiável ao longo de muitos anos (1 Sm ); Zadoque é mencionado pela primeira vez em 2 Samuel 8.17, onde ele e o filho de Abiatar são registrados como sacerdotes. O texto hebraico começa o versículo com Zadoque, como se ele estivesse encarregado da arca; o nome de Abiatar é mencionado depois (c / ARC, TB, BLH), quase como um acréscimo: Abiatar também estava ali (BLH). Abiatar oferecia sacrifícios (PIB) faz sentido.2 Um altar improvisado, um pequeno fogo e ofertas de cereais seriam possíveis na emergência, como acompanhamento da oração em que se pediam a proteção e a vitória do rei Torna a levar a arca de Deus à cidade indica que Davi não tinha idéias supersticiosas da necessidade de ter a presença da arca junto de si. No momento de crise, Davi crê firmemente que seu futuro está nas mãos de Deus, que o fará voltar a Jerusalém ou provocará sua queda, conforme Sua vontade. Comparativamente, Absalão não será ajudado pela presença da arca em Jerusalém; a salvação vem de Javé (BJ, SI 3.8, que, de acordo com o título, é um salmo relacionado com este incidente), não sendo resultado direto ou indireto da presença de um santuário. Por outro lado, a arca de Deus era um símbolo preciosíssimo e insubstituível; entronizada em seu santo lugar, ela repre 1. No versículo 17, a Niv (c / arc), em lugar de na última casa, traz num local a certa distância, com base no Targum, versão aramaica do Antigo Testamento. A expressão hebraica é incomum; daí a incerteza. C f BDB, p Cf. Fokkelman 1981, p. 455, para uma justificativa de sua tradução Abiatar fez uma oferta de fogo. 294
293 II SAMUEL sentava a presença do Deus de Israel no meio de Seu povo. A esperança de Davi era ver assim a arca como a sua habitação, pois então saberia que havia achado graça aos olhos do Senhor. Para Davi, enviar a arca de volta era um ato de fé e, ao mesmo tempo, um gesto de submissão àquilo que o Senhor achasse apropriado fazer Davi envia Zadoque com a missão: Olhe ( b l h ), que pode ser mais do que uma interjeição (cf. margem). A TB traz Não és tu vidente? {cf. ARC, IBB), enquanto a NEB diz: Acaso não podes fazer bom uso de seus olhos? Esta última faz melhor sentido, mas pode ter havido uma ambigüidade deliberada, porque essa conversa não era particular. Davi precisava de informantes e enviou, em paz (c f v. 9), o grupo de sacerdotes para atuar como espiões na cidade. Eles verificariam a situação e enviariam uma mensagem a Davi nos vaus do deserto, um dos pontos costumeiros de travessia do Jordão Não havia tempo a perder, mas não era possível apressar a subida íngreme do monte das Oliveiras, ainda tendo Jerusalém ao alcance da vista. De fato, essa ocasião se tornou de extravasar de emoções, primeiro por parte do rei, e então por parte do povo que estava com ele, em solidariedade com sua humilhação. Outro golpe foi a notícia da sublevação de Aitofel, evidentemente considerada um triunfo de Absalão, a julgar pela oração fervorosa de Davi, que ele passou a suplementar com as providências que estava em condições de tomar. 32. Do topo do monte das Oliveiras, tinha-se uma vista panorâmica de Jerusalém. Compreensivelmente, aquele era um local onde se costumava adorar a Deus (talvez indicando que havia um alto no topo); ali, a resposta de Deus à oração apareceu na pessoa de Husai, o arquita (cf. Js 16.2), que se revelou amigo e servo leal, aflito e lastimoso com a sorte do rei Sua vinda nesse exato momento leva Davi a enviá-lo em missão especial. Entre os refugiados, ele seria pesado, talvez por causa de sua idade ou fraqueza, mas, na corte de Absalão, ele seria um embaixador inigualável, indo contra as sugestões de Aitofel. Em conspiração com os principais sacerdotes e seus filhos, ele poderia manter o rei informado de tudo o que era planejado nos mais altos escalões. Sua chegada a Jerusalém, quando Absalão entrava ( p ib ) na cidade pelo 295
294 II SAMUEL 16.1 lado sul, pareceu providencial: o amigo e confidente de Davi logo estaria em atividade. v. Os confrontos de Davi e as tramas de Absalão ( ). evacuação da cidade fora tão urgente que não houve tempo para planejar as provisões para a longa viagem que teriam pela frente. A visão de comida era um alento e dificilmente poderia deixar de alegrar o rei e de predispô-lo a ser generoso em retribuição. 1. Ziba, servo de Mefibosete, representava a família de Saul, d qual se poderia esperar uma tentativa de se apoderar do trono após a partida de Davi. Em vez disso, aqui estava um presente muito aceitável, destinado a atender uma necessidade premente, que bastava para o grande número de pessoas envolvidas. Visto que Ziba fora nomeado para trabalhar a terra de Mefibosete, os produtos da terra possivelmente eram parte da colheita do proprietário, e não é provável que competisse a Ziba dá-los (2 Sm 9.10) No ardor do momento, Davi aceita ao pé da letra as respostas de Ziba às suas perguntas, ficando profundamente ressentido com a aparente traição do filho de Jônatas, a quem havia demonstrado especial bondade (2 Sm ). Se Ziba estava tentando obter o favor do rei, ele conseguiu. A terra que havia pertencido a Mefíbosete tomou-se sua, mas a doação foi revista após o retorno de Davi (2 Sm ) Um pouco mais adiante, no vilarejo de Baurim, em território benjamita (cf. 2 Sm 3.16), Davi foi alvo de ataques verbais por parte de outro dos parentes de Saul. Simei estava num caminho paralelo ao que Davi percorria, no lado oposto de uma ravina (v. 13), de sorte que podia lançar tanto insultos quanto pedras em Davi, através do vale. Ele deseja que Davi vá embora, chamando-o de homem de sangue, isto é, assassino, e de homem de Belial, ou seja, pessoa sem valor, que não serve para nada (cf. 1 Sm 1.16), que merecia tudo o que estava recebendo porque havia tomado o lugar de Saul como rei. Agora, o filho de Davi ocupará seu lugar como rei: o reino... o Senhor... já o entregou nas mãos de... Absalão. Esse irado adversário do rei, que se colocou sozinho contra todo o séquito real, era sensato em se manter à distância; sua afirmação de que conhecia a mente do Senhor era negada pelo seu linguajar ofensivo. Só o tempo e os acontecimentos poderiam 296
295 I I SAMUEL comprovar a validade de tal alegação, a qual, enquanto isso, deve ter-lhe servido de salvo-conduto. Entretanto, como ele não podia estar seguro disso, mantinha distância! 9. Contudo, era de esperar que um dos soldados de Davi quisesse defender o rei e cortar pela raiz tal subversão. O irmão de Joabe, Abisai, já observado por suas reações impetuosas (1 Sm 26.8), era inteiramente a favor de decapitar o ofensor de imediato A autoridade e o controle tranqüilos do rei revelam verdadeira grandeza. Ele não irá retaliar, mas, em vez disso, aceitará construtivamente a possibilidade de que o Senhor esteja falando por meio de Simei e receberá os insultos à luz disso. O raciocínio do versículo 11, que todos os seus homens certamente observam, reduz a tensão de um incidente lamentável. Pelo menos dessa vez os filhos de Zeruia não levaram a melhor em relação ao rei (cf. 2 Sm 3.39), que salvou a vida daquele que o estava amaldiçoando e entregou seu próprio caso nas mãos do Senhor para que Ele o julgasse Não que os ataques tenham cessado. O bombardeio de pedras e de torrões de terra prosseguiu, causando ferimentos, principalmente na cabeça dos atingidos, mas não era possível parar para descanso, senão ao fim do dia de viagem. A expressão ao Jordão não está no texto hebraico (cf. ARC, PIB), mas é tirada da LXX. O Jordão representava uma fronteira segura para Davi (2 Sm 17.22), sendo que a única pergunta é se eles chegaram até aquele ponto antes do cair da noite. 15. A cena agora muda para Jerusalém, onde Absalão se encontr em processo de estabelecimento como rei com a ajuda de Aitofel, que já havia se unido a eíe {cf. 2 Sm 15.12). E com ele Aitofel equivalia a dizer que Absalão estava certo de atingir seus objetivos, porque seu conselheiro jamais dava um passo em falso (v. 23) A intervenção de Husai, o arquita, amigo de Davi, surpreendeu Absalão, pois ele não havia chegado ao ponto de convidar o conselheiro pessoal de seu pai a desertar. O repetido viva o rei! de Husai, que soa como música aos ouvidos do ambicioso Absalão, não despertou indagações em sua mente, a despeito da ambigüidade quanto a quem era o rei (cf. 1 Rs 1.25, 31, 34, 39). A pergunta dupla de Absalão revela suas incertezas, mas ele não percebe que existem duas 297
296 II SAMUEL maneiras de interpretar a resposta de Husai, que de novo evita mencionar nomes. Husai de fato permanece leal a seu senhor Davi, escolhido pelo Senhor e pelo povo, mas, em sua vaidade, Absalão deixa de notar essa inferência; será que ele realmente acredita ser aquele a quem o Senhor escolheu, ou será que ele usa o nome do Senhor como mera conversa piedosa? Ao afirmar que servirá ao filho de seu senhor, Husai frisa o próprio relacionamento que Absalão rompeu. Porventura não seria diante de seu filho?: de fato seria, se ele fosse leal ao pai. Nessas circunstâncias, Husai servirá Absalão ao mesmo tempo em que será leal ao pai de Absalão. Husai manteve sua integridade, Absalão ficou cego devido a seu próprio egoísmo, e ao leitor é concedido um exemplo da atuação da providência divina Por ora, Absalão pede conselho só a Aitofel, que é direto, decidido e impiedoso: Coabita com as concubinas de teu pai... Enquanto Husai havia falado de modo positivo acerca do relacionamento entre pai e filho, Aitofel aconselha uma ação que demonstrará de modo muito claro o abismo entre Absalão e Davi. Conquanto possa ter sido comum no antigo Oriente Próximo que o rei de uma nova dinastia tomasse o harém do monarca anterior, certamente não era aceitável que um filho desrespeitasse a proibição existente contra as relações sexuais com as esposas e concubinas de seu pai (Lv 18.7, 8). Aitofel pode ter sido astuto, cativante e influente, mas revelou sua verdadeira personalidade no conselho dado nesta ocasião. É verdade que o profeta Natã dissera [eu, o Senhor,] tomarei tuas mulheres... e as darei a teu próximo (2 Sm 12.11) e que Aitofel talvez conhecesse a profecia, mas era preciso um pouco de sangue-frio para colocar em prática aquelas palavras. O vínculo com o adultério de Davi fica claramente estabelecido; Davi estava colhendo o que semeara. Ele havia deixado de castigar o pecado de Amnom, e agora Absalão estava levando ao extremo sua inimizade contra o pai. Ao invadir a vida mais íntima e particular de seu pai de forma tão ostensiva e pública, ele de fato se tornaria odioso a seu pai e a todas as pessoas direitas em Israel. 23. Existe ironia nesse comentário acerca da posição de Aitofel junto a Davi e a Absalão. Seu conselho era aceito com toda a autoridade normalmente reservada para a palavra do próprio Deus! Uma vez que tanto Davi quanto Absalão agiam baseados em seus conselhos, 298
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297 II SAMUEL praticamente era ele quem dirigia o país. Como Husai seria bem-sucedido na disputa com Aitofel? O resultado da revolta de Absalão dependia da estratégia adotada na etapa de planejamento, e, agora que tinha dois conselheiros, Absalão devia escolher entre dois caminhos diferentes para obter a vitória desejada Aitofel apresentou espontaneamente seu segundo conselho. Com seus doze batalhões escolhidos, que talvez representassem as doze tribos unidas contra seu rei, ele não estava em inferioridade numérica. Partiria de imediato, a fim de capturar Davi enquanto este estava fraco e desorganizado, provavelmente em via de ser abandonado por seus homens. Matarei apenas o rei foi certamente força de expressão, referindo-se a Davi como o rei ; mesmo assim, Aitofel vê seu objetivo com clareza. Uma vez morto Davi, poder-se-ia permitir que retomassem com segurança aqueles que estavam com ele, e Israel estaria em paz. O símile como vem a noiva ao seu esposo (B J, b l h ) não está no hebraico, mas foi introduzido com base na LXX; provavelmente, deve ser omitido, pois não é compatível com o estilo direto de Aitofel (cf. ARA, IBB, ARC, PIB). O plano de Aitofel convenceu o gabinete de guerra e foi aceito Absalão, porém, ficou em dúvida, e quis saber o que seu outro e inesperado conselheiro diria, embora não tivesse sido incluído entre os colaboradores mais íntimos. Há alguma demora até trazerem Husai e até Absalão pô-lo a par da discussão travada até aquele momento, a fim de que dê sua opinião ponderada Husai, que tem de analisar de imediato, faz a avaliação genérica de que o conselho de Aitofel não é bom e, então, passa a apresentar suas razões, baseado nos hábitos conhecidos de Davi. Começando com a frase bem conheces a teu pai e a seus homens, Husai explora o fato de que, como filho de uma casa real, Absalão não podia negar a imensa capacidade de seu pai, que já se tomara proverbial. Husai passa, então, a tecer uma série de conjeturas, faz algumas comparações emotivas com uma ursa raivosa, diante da qual até mesmo quem tem um coração como o de leão fica assustado, e sugere o terrível efeito que um boato pode causar ao aumentar um pequeno revés, transformando-o em derrota:... morticínio entre o povo que se 299
298 II SAMUEL gue a Absalão (IBB). Dessa maneira, ficou minada a confiança de Absalão na estratégia de Aitofel, e foi-lhe inculcado o medo da força e da coragem de seu pai Husai passa agora a elaborar sua proposta, que depende de uma total mobilização desde Dã até Berseba e envolve a presença de Absalão em pessoa. Além disso, o objetivo é a destruição total do grupo de Davi, o que se torna possível, caso nada impeça Husai, mediante o número enorme de homens sob seu comando. Eles impregnarão a área como o orvalho cai sobre a terra, não permitindo que ninguém escape. Com o apoio de todo o Israel, mesmo uma cidade onde Davi porventura se escondesse poderia ser demolida, tendo suas pedras arrastadas para outro lugar. O discurso de Husai é um golpe de mestre, conquistando Absalão e os que o apoiavam mediante uma pressão sutil nos temores de Absalão, dando ao mesmo tempo importância ao impacto que causaria a presença do rei com seu exército. Aitofel veria imediatamente a fragilidade de tudo o que Husai propusera, mas todos os outros foram convencidos por seus argumentos, que triunfaram. A essa altura, o narrador se permite um comentário em que revela sua opinião de que, do ponto de vista de Absalão, Aitofel havia dado um bom conselho. O fato de que Absalão desconsiderou esse conselho em favor daquele de Husai, que tinha o propósito de proteger Davi, foi visto como exemplo da intervenção do Senhor a fim de derrubar Absalão, pois, seguindo o conselho de Husai, Absalão foi para a guerra e perdeu a vida. Ele foi convencido por um discurso que vendou seus olhos, repleto de referências vagas: em qualquer outro lugar (v. 9), em qualquer lugar em que ele se achar (v. 12), uma cidade de nome não mencionado (v. 13), pelo menos uma ambigüidade ( caindo alguns no primeiro ataque [v. 9; IBB]: de quem são os seguidores que caem?) e uma contradição óbvia entre a descrição inicial de Davi como homem poderoso (v. 8) e sua derrota no fim, pego por tropas em maior número. Alguma vez Davi se preocupou com o número absoluto das forças que o combatiam? No entanto, a retórica de Husai conquistou o conselho de guerra; Absalão se viu no comando de um exército imenso e vitorioso, e a demora provocada pelo recrutamento de ainda mais reforços deu a Davi oportunidade de organizar suas tropas, re 300
299 II SAMUEL cuperar as forças e decidir qual o terreno que lhe seria vantajoso no combate que se avizinhava. Todavia, antes de tudo, ele precisava de notícias sobre as intenções de Absalão A rede de espionagem entrou em operação. Husai transmitiu sabiamente tanto o conselho de Aitofel quanto o seu, e recomendou a Davi que se preparasse para o pior e cruzasse o Jordão antes do anoitecer. Absalão poderia mudar de idéia! Os sacerdotes estavam sob a suspeita de apoiar Davi; daí o estratagema de colocar os dois corredores, Jônatas e Aimaás, em En- Rogel, a fonte dos lavadeiros, perambulantes ou espiões, situada fora da cidade e, possivelmente, freqüentada todos os dias pela criada que apanhava água1 (assim, sua ida não levantaria suspeitas). Mas os homens foram notados, e deu-se notícia disso a Absalão. O homem em Baurim, local por onde Davi passara (2 Sm 16.5), deve ter sido um conhecido simpatizante em território benjamita, alguém leal ao rei; seu poço, coberto e camuflado, deu segurança aos espiões (cf. o estratagema semelhante, igualmente bem-sucedido, descrito em Js 2.6). Nada se soube: esta afirmação merece destaque. A comunidade de um vilarejo normalmente sabia de tudo o que acontecia, mesmo que fosse apenas pelas crianças brincando nas ruas. Ao orientar os enviados a procurar além do vilarejo, a esposa do homem mandou-os numa procura vã. O vau (mikãl) é uma tradução incerta, pois a palavra ocorre só aqui na Bíblia hebraica; daí a possibilidade: Passaram pelo aprisco de ovelhas na direção das águas (NIV mg.) Embora tendo sido retardada sua ida a Davi, os espiões chegaram em segurança até o rei, que imediatamente aceitou o conselho de atravessar o Jordão, apesar da escuridão da noite. Com aquela barreira entre ele e Absalão, o rei tinha espaço para manobra. 23. O fato de Davi ter cruzado o Jordão acabou com o plano d Aitofel de realizar uma campanha para capturar o rei antes que este al 1. O elemento comum entre todos esses significados possíveis é o verbo rãgal, ir a pé, perambular como maledicente ou espião. O lavadeiro pisoteia a roupa na água para limpá-la. O fato de o nome da fonte ser apropriado não escaparia ao leitor hebreu. 301

300 II SAMUEL cançasse a Transjordânia. Com sua demora, Absalão pôs a perder a vantagem que tinha, e o experiente estrategista Aitofel sabia que, como Davi iria agora reassumir o controle, já não havia nenhum futuro para ele. Aitofel enfrentaria a morte por trair o rei. Ele aceitou tranqüilamente a situação e decidiu o que faria. Os passos que ele tomou contribuem em tudo para formar a imagem de um estadista bastante calculista, que tem plena consciência de tudo o que está em jogo, levando às últimas conseqüências o caminho da lógica e da razão. Esse homem impiedoso volta calmamente a Giló, cuida para que todos seus negócios estejam em ordem e, só depois disso, comete suicídio por enforcamento. Foi um fim trágico para um homem indubitavelmente capaz, outrora conselheiro valiosíssimo para Davi (2 Sm 16.23), mas que se tomou traidor Davi chegou a Maanaim, lugar de certa importância a leste do Jordão, onde Is-Bosete fora coroado rei (2 Sm 2.8, 9). Ali, enquanto Absalão passava por uma cerimônia de coroação (2 Sm 19.10) e ajuntava apoio dentre todos os homens de Israel, Davi teve oportunidade de se organizar para o combate. O comandante do exército de Absalão era Amasa, primo de Joabe (c/ 1 Cr 2.16, 17), filho de Itra ou Jetra (B J), variante do mesmo nome, um ismaelita. A ARA traz essa leitura, encontrada em alguns manuscritos da LXX e em 1 Crônicas 2.17, preferindo-a à do texto hebraico, israelita, que nada esclarece. Parece que Abigail e Zeruia eram meias-irmãs de Davi, visto que o pai delas era Naás e não Jessé. A razão de se apresentarem detalhes da família é permitir que o leitor aprecie a hostilidade entre Amasa e Joabe, enquanto eles comandavam forças adversárias. A menção de Gileade, onde Absalão e seu exército acamparam, levanta a questão do apoio de seus moradores Em uma única e longa oração, esses versículos revelam o interesse prático de três líderes da região para com Davi e seu grupo. Sobi, filho de Naás, de Rabá, dos filhos de Amom deve ter sido mais como seu pai leal do que como o impiedoso Hanum, que sucedeu ao genitor no trono amonita (2 Sm ); Maquir foi mencionado como anfitrião de Mefíbosete antes de Davi convidá-lo para se mudar para Jerusalém (2 Sm 9.4); Barzilai era uma pessoa idosa, o chefe de uma importante família em Gileade, e leal a Davi (c f 2 Sm ). 302
301 II SAMUEL Esses três homens de posses trouxeram o fruto de suas terras, junto com camas, bacias e vasilhas de barro, dizendo: Este povo no deserto está faminto, cansado e sedento. Tais dádivas generosas e solícitas representavam uma preocupação tão profunda com o rei que tinha de se expressar através de ajuda prática e tangível. vi. A derrota e a morte de Absalão ( ) Agora o com bate é iminente, e Davi inspeciona suas tropas, distribuídas em três divisões, cada uma sob o comando de um general: Joabe tem de partilhar o comando com seu irmão Abisai e com o geteu Itai (cf. 2 Sm ), mas, conforme se vê a seguir, Joabe mostra-se tão independente e impetuoso como sempre foi (w. 9-16). A intenção que Davi tinha de liderar o exército em combate não encontra a aprovação das tropas, cujo argumento concorda com o de Aitofel (2 Sm ); Davi é o alvo que o exército inimigo vai tentar atingir e, por isso, deve ficar na retaguarda e fornecer apoio a partir da cidade. De uma porta da cidade, então, o rei passou em revista às tropas enquanto elas marchavam para a luta, distribuídas em companhias e batalhões. 5. Dá-se grande ênfase à ordem final do rei. Ela foi ouvida não apenas pelos três comandantes, mas também todo o povo ouviu quando o rei dava ordem, a saber: Tratai com brandura o jovem Absalão, por amor de mim; ou, como diríamos: Se vocês quiserem me ver contente, não sejam muito duros com o meu menino Absalão. O rei esperava que seu exército saísse vitorioso, mas não conseguia suportar a idéia da morte de seu filho. Em vista de tudo o que Davi tinha atravessado, para o observador é fácil culpá-lo por ser tão pouco enérgico com o filho rebelde, mas o pai ainda anseia a reconciliação com um Absalão arrependido (SI ) Essa descrição sucinta do combate decorrente divide-se em duas partes: os versículos 6 e 7a descrevem o avanço dos homens de Davi em direção às tropas de Absalão e a derrota deste pelas tropas de Davi, mas no meio aparece o detalhe revelador: deu-se a batalha no bosque de Efraim. Desse versículo vem a informação de que, naquela época, boa parte de Gileade estava coberta de florestas. Davi havia se preparado para que o combate ocorresse nesse terreno, onde a experiência e a coragem de cada soldado em particular valia mais do que 303
302 11 SAMUEL 18.9 números absolutos. Os versículos 7b e 8 ressaltam a grande perda de vidas, e a oração ao centro, aí se estendeu a batalha por toda aquela região, explica o efeito que o terreno coberto de árvores teve na batalha, acabando com todo senso de direção, de modo que os soldados vagueavam sem rumo e se perderam. O terreno da Transjordânia oferece tudo o que tem a Davi e a seu povo na forma de alimento (17.28, 29) mediante a atuação dos moradores, os três amigos do rei, mas consome os que estão a favor de Absalão, vencendo a espada pela fome. 1De fato, a natureza toda conspira para fazer prosperar a causa do rei e derrotar o rebelde, embora este conte com o apoio de todo o Israel. 9. O papel desempenhado pela natureza ainda não foi totalment contado. No combate de esconde-esconde, Absalão defronta-se com o perigo representado por alguns homens de Davi, que observam o mulo real sair debaixo dele, que havia ficado preso... pela cabeça num carvalho (cf. Is 2.13; Zc 11.2). O traidor fica ali pendurado, à mercê dos soldados; assim estes não precisam lutar contra o filho do rei, mas também não o salvam. A grande árvore, embora imóvel, revelou-se mais do que páreo para o orgulho de Absalão Alguém que assistiu à cena correu para contar a notícia a Joabe, vi a Absalão, ao que Joabe sarcasticamente responde, empregando as mesmas palavras: viste-o; mas por que ele não havia matado o inimigo? A recompensa em dinheiro e o cinto que Joabe pretendia dar implicavam promoção {cf 1 Sm 18.4) Esse homem do exército é admirável em sua resistência ao suborno. Nem mesmo mil moedas de prata o teriam induzido a matar o filho do rei depois que Davi dera ordens explícitas, escutadas por Joabe e por todos os outros. Esse soldado raso também é admirável por respeitar e obedecer à ordem do rei; em contraste, seu general toma as leis em suas próprias mãos e atravessa com dardos o coração de Absalão. De acordo com os padrões militares, isso era traição (v. 13a). Os dez escudeiros de Joabe cercaram... e feriram... e... mataram Absalão, completando assim aquele feito traiçoeiro; contudo, o soldado assinala 1. Fokkelman 1981, p

303 II SAMUEL que, caso tivesse feito o mesmo, teria sido considerado culpado de traição, e Joabe não o teria defendido. Aquele homem não tinha medo de dizer o que pensava. O papel aqui desempenhado por Joabe requer uma explicação em vista da iniciativa que ele tomou em favor de Absalão alguns anos antes (2 Sm , 21, 22). Naquela época, parece que Joabe considerava a volta de Absalão uma necessidade política: seu exílio era motivo de desassossego, e Joabe desejava mudar o aspecto deste caso (2 Sm 14.20). Em conclusão, o resultado foi decepcionante, pois quase nada mudou. Absalão e seu pai nunca se reconciliaram de verdade; daí a trama que culminou com a rebelião. O que se poderia ganhar agora poupando-se a vida de Absalão? Será que o rei reagiria a ele de maneira um pouco diferente depois de tal insurreição? Parece provável que Joabe, impaciente com a indulgência de Davi perante o filho, pensou que o mais sensato era acabar com a vida do jovem e insolente príncipe enquanto tinha oportunidade. Em última instância, isso também servia aos interesses principais do país, até onde Joabe era capaz de julgar. A providência certamente colaborou com ele, e a morte de Absalão pôs fim à batalha, evitando assim mais derramamento de sangue Joabe tem agora firme controle sobre os homens de Davi, aos quais chama de volta, impedindo-os de continuar perseguindo seus irmãos que haviam apoiado Absalão. Tudo o que resta a fazer é sepultar em algum lugar da floresta o corpo do rebelde, ficando sua sepultura marcada só por um grande monte de pedras, que, em relativamente pouco tempo, deixaria de ser identificável. Foi um fim vergonhoso. 18. Durante sua vida de certa forma curta, Absalão havia demons trado um interesse peculiar em que sua fama continuasse depois da morte, ao construir uma coluna em sua própria homenagem. Sua escolha do vale do Rei está bem de acordo com suas aspirações ao governo, mas, ao erguer seu próprio monumento, Absalão declarou recear que, de outro modo, não teria um memorial. Filho nenhum tenho contradiz 2 Samuel 14.27; presume-se que ele tenha perdido seus três filhos, enquanto eram bem pequenos. O versículo revela a tristeza sentida por um homem que tem um início tão promissor, mas que deixa de 305
304 II SAMUEL alcançar aquilo que mesmo as pessoas mais comuns dentre o povo consideram certo: a importância ininterrupta por meio de sua posteridade. Uma pedra é tudo o que leva o nome de Absalão.1 Quatro parágrafos repletos de suspense cobrem a distância entre as linhas de combate e o rei, que ansiosamente espera notícias junto à porta da cidade de Maanaim Aimaás, filho de Zadoque, um dos dois corredores que vieram de Jerusalém até o Jordão (2 Sm 17.17), estava impaciente para continuar seu papel de mensageiro e levar ao rei o que considerava ser uma boa notícia. Joabe, que conhecia melhor a Davi, tinha plena consciência de que o rei estaria interessado apenas no que havia ocorrido com Absalão e de que para ele a notícia não seria nada boa Por essa razão, Joabe escolheu um estrangeiro para levar a mensagem. Para ele, isso seria apenas um dever, e suas palavras não estariam carregadas de emoção. Mas não era tão fácil deter Aimaás. Em seu entusiasmo por atender aos interesses do rei e crendo que Davi veria a mão do Senhor no resultado da batalha, ele insistiu em ir até o rei e, em seu ímpeto, revelou-se o corredor mais veloz A cena muda para o rei, que ansiosamente espera notícias. Ele está sentado entre as duas portas, a interna e a externa, entre as quais havia assentos para as reuniões dos anciãos, à sombra dos muros elevados. A sentinela no torreão do alto informou ao rei tudo o que podia discernir: um corredor que vinha sozinho trará notícia (está implícita uma boa notícia), mas por que outro? O rei, tenso e preocupado reanima a si mesmo ao reconhecer que Aimaás é de bem e trará boas novas (tôb\ o bom está enfatizado). Joabe queria poupar o rei de uma desilusão dessas Paz (Sãlôm) resume a mensagem de Aimaás, enquanto se prostra perante o rei e bendiz a Deus pela derrota dos inimigos do rei. Diante da pergunta do rei acerca de Absalão, ele finge não saber a resposta; suas palavras vagas só aumentam a ansiedade de Davi. 1. O marco apontado para os turistas como o túmulo de Absalão no vale de Cedrom remonta só ao primeiro século A.D. Não se deve confundi-lo com o monumento de Absalão. 306
305 II SAMUEL O etíope traz a notícia oficial ao rei, transmitindo-a com objetividade e, ao mesmo tempo, com candura. Ele se refere a Absalão juntamente com todos os inimigos do rei, omitindo seu nome e evitando a palavra morto. Contudo, o significado de sua mensagem é claro, e Davi, tomado de tristeza, sobe a uma das salas da guarda a fim de chorar pelo filho. Se Davi tivesse liderado os soldados em combate, conforme pretendia (v. 2), em vez de ficar absorto em seus próprios pensamentos, ele poderia ter evitado o impasse emocional que o impediu de apreciar tudo o que seu exército havia suportado a fim de alcançar a vitória. Davi estava fora da realidade, caso imaginasse que poderia ter salvo tanto o trono quanto a vida do filho. Talvez não tenha tido essa ilusão, mas estava arrasado devido ao amor que continuava a brotar de seu interior, ao pensar no grande potencial de seu filho. Daí sua explosão emocionada: Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho! Havia algo mais a considerar: por causa de seu adultério, sua contribuição para os problemas da família. Ele próprio não estava isento de culpa, e a consciência desse fato deve ter aumentado seu tormento. Fokkelman chama a atenção para uma profunda mudança em Davi, ao contrastar o rei na época em que se retirou de Jerusalém com o Davi que ouve a notícia da batalha que lhe salvou o trono. No monte das Oliveiras (2 Sm ), embora esteja sob ataque, política e emocionalmente ele é realista e age de forma adequada. É ele mesmo em sua plenitude. Mas o pai que nunca havia tomado providências para corrigir o filho ambicioso e mimado está se entregando ao tormento de si mesmo, quando, em 2 Samuel 18.33, expressa o desejo de ter morrido no lugar de Absalão. Isso revela um imenso e terrível vazio naquela parte da alma de Davi onde devia existir autoconfiança, onde o correto é um sentimento saudável de auto-estima. 1 Em outras palavras, depois de descontar tudo o que um pai amoroso passa devido à morte de um filho, ainda existe um aspecto do comportamento de Davi que não é sadio. Ele já não consegue suportar a visão da realidade e se refugia num desejo que era incapaz de realizar; isso o deixa com sentimentos negativos que bloqueiam todo caminho adiante. E essa barreira que Joabe tem de ajudar o rei a superar. 1. Fokkelman 1981, p
306 11 SAMUEL vii. Rompendo o impasse ( ). Enquanto o rei ainda se encontrava longe da capital, imerso em sua tristeza, o exército estava sem recompensa, e o país, sem líder. Era uma situação perigosa, e algum presunçoso podia tentar tomar o poder; assim, na ausência de palavra profética, Joabe desempenhou o papel-chave na difícil tarefa de trazer o rei de volta à realidade Joabe não deve ter ficado totalmente surpreso com a notícia de que o rei estava em prantos por causa do filho (2 Sm 18.20), mas, para o exército vitorioso, era difícil aceitar que Davi não tivesse qualquer palavra de apreciação pela bravura deles em combate. Em face das circunstâncias, também não houve nenhuma recompensa tangível na forma de despojos. O isolamento do rei era tal que, mesmo em caso de derrota, ele não podia ter ignorado tanto o exército. Tendo coberto o rosto, ele não podia ver os outros; enquanto exclamava em alta voz, não conseguia ouvir o que alguma outra pessoa queria lhe dizer. Ele desejava ficar totalmente sozinho Então Joabe entrou na casa do rei: ele sabia que precisava penetrar no estado de abandono e isolamento em que Davi se encontrava para que este tivesse alguma credibilidade como rei. Ele estava testando até o limite a lealdade de seus seguidores. Joabe é adequadamente rude, a fim de abalar Davi e levá-lo a reconhecer a situação; ele encontra quatro maneiras de apontar para o fato de que o comportamento do rei é anormal e desconsidera todos os padrões aceitos: i. as pessoas que salvaram a vida do rei e de suas esposas e filhos foram recompensadas com desonra; ii. a razão é que Davi transformou o mandamento de amar o próximo em odiar o próximo (cf. Lv 19.18); iii. nada valem para contigo príncipes e servos: o próprio Joabe está incluído entre aqueles que viram ignorado seu esforço para conseguir a vitória; iv. levando a atitude do rei à sua conclusão lógica, Davi seria capaz de sacrificar todos os seus seguidores se Absalão pudesse viver. Esta contundente linha de raciocínio foi premeditada para fazer o rei reconhecer o fato de que não pode trazer Absalão de volta (cf. o realismo do próprio Davi quando morreu a criança de Bate-Seba, 2 Sm 12.22, 23). 7. Tendo revelado o ultraje, Joabe passa a apresentar o caminho seguir: Levanta-te agora, sai, efala segundo o coração de teus servos. Requer-se ação imediata, tanto para acordar o rei de sua letargia como 308

            

                               I e II Samuel. introdução e comentário. Joyce G. Baldwin


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